O BEIJO
Aos
onze anos beijar na boca era sua aspiração mais alta. O desafio supremo, quase
inatingível para o menino retraído, atormentado por uma incurável timidez.
Um
dia aconteceu.
Acompanhava
em silêncio a coleguinha da escola até a casa. Dividiram o lanche que sobrara
do recreio e saíram de mãos dadas pelas ruas do bairro, que começavam a
escurecer naquele fim de tarde de inverno.
A
brisa fria insinuava desejos etéreos, diáfanos. Foi tudo muito rápido. De supetão, ela o espreme contra um muro, beija-o docemente e desaparece na esquina, saltitante.
Entorpecido
pela magia daquele instante mágico, o menino não compreendeu que o beijo
roubado lhe abrira o portal para um mundo desconhecido. Tomou-se de
surpreendente audácia, sentiu uma volúpia inexplicável e a certeza de que nada
seria como antes.
Adulto,
não aprendeu a amar. Sua vida foi uma sucessão de fracassos sentimentais, de
prazeres efêmeros, de solidão profunda.
Aquele beijo fugaz o resgatara da introspeção,
mas também acendera o fogo das paixões efêmeras cujas labaredas consumiriam vorazmente
suas entranhas, para depois jogá-lo no abismo da eterna solidão.