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sábado, 18 de julho de 2020

COLO DE MÃE

Quando frequentava os prostíbulos, ainda adolescente, só tinha uma exigência: transar com as putas mais velhas, ignoradas pelos clientes, invisíveis à lascívia dos homens ávidos por carne fresca.

Alvo de chacota dos amigos, justificava a escolha:

– Elas são as melhores. Conhecem como ninguém as astúcias do sexo. São experientes, carinhosas e não têm pressa em acabar o serviço. Ainda por cima o cachê é o mais barato da casa.

Ao longo dos anos manteve-se fiel às mesmas convicções. A enorme diferença de idade foi a marca de todos os seus amores. Apenas assim sentia-se seguro, confiante.

Ao final da vida compreendeu que suas conquistas amorosas não passaram de desvairada busca pelo colo de mãe que lhe fora negado em sua infância infeliz e solitária.

sexta-feira, 17 de julho de 2020



INFARTO

O corpo do velho moralista jazia nu na cama daquele quarto sufocante, na pensão fétida de rodoviária, frequentada por malandros, prostitutas e desiludidos.

O filho é chamado para as providências de praxe. Observa as paredes sujas, a toalha encardida, as roupas pelo chão. Presa a um fio improvisado, a luz vermelha balançava preguiçosamente, insinuando uma atmosfera lúgubre, decadente.

A esposa não poderia ser informada das circunstâncias em que o marido fora encontrado. Não suportaria o escândalo. Morreria de desgosto.

Envolvida no lençol encardido, a moça pálida e esquelética soluçava:

– Não tive culpa, moço. Seu pai morreu dum gosto.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

RECOMEÇO


Mal começara a vida em comum, o marido tratou de convencê-la de que era incapaz de seguir a profissão com que tanto sonhara: professora de belas artes na universidade local. Afirmava ser ela desprovida de vocação e de formação científica para conduzir as disciplinas e participar dos acirrados debates acadêmicos. Deveria evitar o vexame, a vergonha de expor sua inferioridade intelectual.

     Só queria protegê-la de futuras frustrações.

Fingiu acreditar na perversa falácia. Conformou-se em fundar uma família aparentemente feliz com o homem que amava. Mas não conseguiu escapar ao sentimento de frustração por ter desistido tão facilmente dos seus sonhos. Procurava esconder o amargor da derrota sem combate, esmerando-se na criação dos filhos e na condução do lar.

O marido reclamava constantemente de problemas financeiros. Recusava ir a restaurantes em companhia da esposa sob o argumento de que era preciso economizar – melhor seria preparar um jantarzinho em casa ou visitar amigos. Mas era visto ao lado de belas mulheres em animadas noitadas, sem a menor preocupação com as contas astronômicas.

Levou anos para descobrir a farsa que sempre fora o casamento. O alto preço que pagara por sua renúncia. Sentiu-se presa à armadilha que ajudara a construir com seu silêncio. Vivia reclusa enquanto ele enredava-se em aventuras amorosas. Já não era uma mulher jovem, mas ainda era capaz de transgredir, escapar ao conformismo, perseguir a vocação sufocada por tantos anos...

Certo dia abandonou a casa sem nada explicar, sem nada pedir, sem nada reivindicar. Os apelos do marido foram inúteis. Os pedidos de perdão também. Pela primeira vez sentiu-se verdadeiramente livre. Não guardava mágoa, ódio, nada. Renascia como a mulher livre que deveria ter sido. 

segunda-feira, 13 de julho de 2020



CONSELHO DE PAI

Repugnava-lhe a origens familiares, a infância pobre em uma comunidade carente e violenta. A ascensão social era a sua razão de viver. Talvez a fizesse esquecer os anos de privações e humilhações que permearam sua infância.

Exorcizava os demônios em lojas requintadas. Os falsos elogios das vendedoras a transportavam para o mundo glamoroso das socialites. Imaginava-se nos salões grã-finos a arrancar suspiros com os requebros sensuais no vestido justo... afinal esse era seu poder de sedução.

E danava-se a comprar.

O marido, apaixonado, satisfazia-lhe os desejos ainda que isso custasse impagáveis empréstimos bancários e uma triste vida de aparências.

Ao vê-la sair do vestiário, abraçada às peças escolhidas, nem pergunta o preço. Resignado, saca o cartão de crédito, dirige-se ao caixa e, com imperceptível sorriso, lembra o inútil conselho de seu velho pai, falecido há décadas:

– Quando for casar, filho, escolha uma mulher pobre ou rica. Tanto faz. Desgraça é esposar uma pobre metida a rica. Você cavará sua própria sepultura.



O  ATOR E O FIGURANTE


Ao vê-lo no set de gravação, o velho ator desejou ardentemente seu corpo, sua alma seu amor.

O jovem figurante apenas viu a oportunidade de tornar-se um grande ator.

Só não sabia que a falta de talento o condenaria para sempre a figurante na vida do velho ator.