O que é ser livre? Neste artigo, o colega Coaracy Fonseca analisa as raízes da servidão e nos mostra que a liberdade de expressão é um poderoso instrumento de combate à tirania do espírito.
COARACY FONSECA
‘Todos nós descendemos de escravos, ou quase escravos. Nossas autobiografias, caso retrocedessem o suficiente, começariam por explicar de que forma nossos ancestrais chegaram a ser mais ou menos escravizados, e até que grau nós nos libertamos dessa herança”. Com esta frase, Theodore Zeldin, eminente historiador de Oxford, inicia o seu agudo estudo de caso, encartado em livro, sobre os reflexos inconscientes da escravidão no mundo moderno.
Destaca o autor, que no passado os serem humanos tornavam-se escravos por três motivos: a) o medo, não queriam morrer, por maiores sofrimentos que lhes causasse a vida; b) voluntariamente, mesmo esmagados pela depressão, para escaparem às responsabilidades; b) o terceiro tipo de escravo foi o ancestral do ambicioso executivo e burocrata de hoje. Homens livres se recusavam a trabalhar para outros, por isso, se recusavam a ser escravos do imperador, que inaugurou, então, o serviço civil que utilizava escravos. Os impérios otomano e chinês foram, afirma o autor, frequentemente mantidos por escravos comuns, que ascendiam aos mais altos postos.
Não é fácil exorcizar os fantasmas do passado, encarcerados em nosso inconsciente. Ser livre significa romper, dentre outras, a barreira do medo, tomar para si as responsabilidades e encarar o trabalho como uma dimensão da própria humanidade e, deste modo, buscar sempre a valorização - que não se confunde com o exibicionismo - não raras vezes, revelador da baixa auto-estima-, e ter a cidadania, sobretudo, respeitada pelo gestor da organização. É ter consciência de que o “chefe” não é o imperador, mas um outro trabalhador com funções definidas, além das quais resvala no arbítrio e abuso de poder, num verdadeiro assédio moral.
Inúmeras corporações são prenhes de escravos modernos. O medo da perseguição, manifesta ou velada, do corte de vantagens pecuniárias ou da atribuição de mais trabalho, transformam alguns indivíduos em elementos servis, complacentes, em verdadeiros cordeiros apascentados pelo filho de Posidão, o ciclope Polifemo.
A culpa é da memória genética, dizem os doutos. O medo transforma indivíduos, inclusive, em bobos da corte, bajuladores – escravos da mais alta periculosidade -, e espiões do grande rei. Quanto aos bajuladores, Pierre Maréchaux legou-se interessante abordagem: ”ele trabalha, tal como oculista astuto, na esfera dos espelhos deformantes e no mundo dos reflexos falsos. Um rei que cantarola se torna um Apolo, um potentado que se embriaga é feito deus das vinhas, um príncipe na palestra tem tudo de um Hércules”.
Eu, de minha parte, procuro ser vigilante aos impulsos ancestrais, e escapar da armadilha tão bem exposta por Theodore Zeldin, na seguinte passagem: “A inveja cegava-os para o sofrimento comum. Nas fazendas americanas era possível encontrar escravos africanos chicoteando outros escravos africanos. Em outras palavras, uma vez estabelecida uma instituição, mesmo os que dela padecem encontram maneiras, por mais sutis, de explorá-la, e assim ajudam-na a sobreviver”. Demais disso, não me sai da cabeça a frase de Publilius, um escravo sírio: “O cúmulo da miséria consiste em depender da vontade de outrem”.
Viva o Império das Leis e da Consciência!
Destaca o autor, que no passado os serem humanos tornavam-se escravos por três motivos: a) o medo, não queriam morrer, por maiores sofrimentos que lhes causasse a vida; b) voluntariamente, mesmo esmagados pela depressão, para escaparem às responsabilidades; b) o terceiro tipo de escravo foi o ancestral do ambicioso executivo e burocrata de hoje. Homens livres se recusavam a trabalhar para outros, por isso, se recusavam a ser escravos do imperador, que inaugurou, então, o serviço civil que utilizava escravos. Os impérios otomano e chinês foram, afirma o autor, frequentemente mantidos por escravos comuns, que ascendiam aos mais altos postos.
Não é fácil exorcizar os fantasmas do passado, encarcerados em nosso inconsciente. Ser livre significa romper, dentre outras, a barreira do medo, tomar para si as responsabilidades e encarar o trabalho como uma dimensão da própria humanidade e, deste modo, buscar sempre a valorização - que não se confunde com o exibicionismo - não raras vezes, revelador da baixa auto-estima-, e ter a cidadania, sobretudo, respeitada pelo gestor da organização. É ter consciência de que o “chefe” não é o imperador, mas um outro trabalhador com funções definidas, além das quais resvala no arbítrio e abuso de poder, num verdadeiro assédio moral.
Inúmeras corporações são prenhes de escravos modernos. O medo da perseguição, manifesta ou velada, do corte de vantagens pecuniárias ou da atribuição de mais trabalho, transformam alguns indivíduos em elementos servis, complacentes, em verdadeiros cordeiros apascentados pelo filho de Posidão, o ciclope Polifemo.
A culpa é da memória genética, dizem os doutos. O medo transforma indivíduos, inclusive, em bobos da corte, bajuladores – escravos da mais alta periculosidade -, e espiões do grande rei. Quanto aos bajuladores, Pierre Maréchaux legou-se interessante abordagem: ”ele trabalha, tal como oculista astuto, na esfera dos espelhos deformantes e no mundo dos reflexos falsos. Um rei que cantarola se torna um Apolo, um potentado que se embriaga é feito deus das vinhas, um príncipe na palestra tem tudo de um Hércules”.
Eu, de minha parte, procuro ser vigilante aos impulsos ancestrais, e escapar da armadilha tão bem exposta por Theodore Zeldin, na seguinte passagem: “A inveja cegava-os para o sofrimento comum. Nas fazendas americanas era possível encontrar escravos africanos chicoteando outros escravos africanos. Em outras palavras, uma vez estabelecida uma instituição, mesmo os que dela padecem encontram maneiras, por mais sutis, de explorá-la, e assim ajudam-na a sobreviver”. Demais disso, não me sai da cabeça a frase de Publilius, um escravo sírio: “O cúmulo da miséria consiste em depender da vontade de outrem”.
Viva o Império das Leis e da Consciência!
Companheiro Coaracy.
ResponderExcluirSeus textos são verdadeiras aulas da boa literatura, ligeira, leve e doce. Longe daqueles textos modorrentos e pastosos que muitas vezes encontramos no mundo técnico jurídico.
Coincidentemente havia escrito um pequeno texto que já encaminhei para o blog do amigo George, denominado Ciclópia, ou terra dos ciclopes, encrustrada na grande Hipnópolis, terra de Hipnos, Deus do sono e pai de Morfeu, Deus dos sonhos-Vide deitado eternamente em berço explêndido, no qual os ciclopes são uma referência a nossa instituição que, por viver num Pais de cegos, é rainha.
A Respeito de escravos modernos, cai muito bem os versos de Noel Rosa:
ResponderExcluir"João ninguém que não é velho nem moço.
Como bastante no almoço
Pra se esquecer do Jantar...
Esse João nunca se expôs ao perigo,
nunca teve inimigo,
Nunca teve opinião."