Páginas

sábado, 14 de março de 2009

CARTA DE UM JOVEM DOUTORANDO

Amigos,


Na postagem anterior, abordei a oferta de doutorados em universidades sul-americanas de pouca expressão científica, cujos diplomas jamais serão reconhecidos no Brasil. Recebi vários testemunhos de vítimas que se deixaram enganar por espertalhões. O fato tem deixado muitos estudantes brasileiros revoltados com as facilidades prometidas por essas instituições, sedentas em atrair os incautos. Registro abaixo o pronunciamento do Davy Sales, mestre em antropologia e aspirante a um doutorado sério, reconhecido pela CAPES/CNPQ. Vejam como é justa sua revolta contra a tentativa de banalização da pós-graduação.
Recomendo a todos a leitura do Parecer 106/2007, do Conselho Nacional de Educação:


Olá!
Sou Davy Sales, ensino sociologia e antropologia em faculdades privadas em Arapiraca. Sou bacharel em Ciências Sociais pela UFAL e mestre em Antropologia pela UFPE. Estou há pelo menos um ano revisando toda a literatura antropológica que cruza com meu interesse para desenvolver meu projeto de doutoramento. E vejo que o doutorado não é uma brincadeira, ou é uma brincadeira para poucos...
Nestas últimas semanas fiquei sem palavras quando colegas bachareis em Direito estão, assim, sem problemas, cursando um DOUTORADO em direito na UBA (Argentina).
Confesso que senti um desânimo de tantas noites não dormidas para fazer a dissertação e defendê-la a uma banca muito rigorosa de doutores. E fui aprovado.
Agora bacharéis sem tato algum para lidar com a teoria social estão desenvolvendo teses... Bom, eu não compreendo isso. Tenho dificuldades de entender que tipo de tese um bacharel em direito pode oferecer ao campo jurídico, porque não passaram por um mestrado então nem sabem o que é a pesquisa e a teoria dos seus campos.
Esses doutoramentos (tipo faça segundo grau em 48 horas) é uma desmoralização à academia brasileira. Como está bem colocado em seu blog, a pós-graduação brasileira está bem amparada por cientistas comprometidos. Agora que vejo todos eles alegres e sorridentes, indo para o doutorado argentino, fico aqui querendo entender porque quando vamos tentar o doutorado no Brasil somos testados, com provas de conhecimentos, exige-se alguma publicação em revistas acadêmicas, uma carreira razoável na academia, conhecimento teórico do campo, línguas estrangeiras e um projeto bem escrito.
Para mim, a confusão é confundir nosso doutorado com um arremedo argentino. Se o Direito não tem tradição em pesquisa acadêmica, imagine-se a qualidade de doutores de teses apressadas. Diz-se que as associações de magistrados estão fazendo acordo com universidades do mercosul, só não entendo porque esse acordo não são feitos com as universidades brasileiras. Uma pista é porque aqui estamos fabricando uma ciência de qualidade e crítica, sem espaço para o parque de diversões de bacharéis feito doutores da noite pro dia.
Agradeço sua análise sobre esse caso em seu blog e espero que os advogados atentem para a desqualificação de suas credenciais quando observarem que seu doutorado é antes um atalho contra a crítica e a ciência do campo jurídico.
Atenciosamente,
Davy.

quarta-feira, 11 de março de 2009

FACILIDADES NO DOUTORADO? NÃO CUSTA NADA AVISAR


É inacreditável como o brasileiro é crédulo. Crédulo e ingênuo. A isca perfeita para a ação dos espertalhões. Ontem encontrei um ex-aluno no shopping center. Estava entusiasmadíssimo. Seus olhos brilhavam. Brilhavam não, faiscavam de tanta alegria. Perguntei-lhe a razão de tamanha felicidade. Havia acertado a mega-sena? Encontrara o amor de sua vida? Fora nomeado para um importante cargo público?
Nada disso. Nosso amigo fora admitido no doutorado de uma universidade uruguaia. Diante da minha surpresa, deu uma risadinha marota e piscou os olhos. “Uma barbada!”, disse ele, senhor da situação.
– A coisa é simples, professor. Basta o diploma de graduação em Direito. Não há exame de conhecimentos jurídicos nem prova de língua estrangeira. A única exigência é freqüentar as aulas um mês por ano e fazer os deveres de casa. Depois de 3 anos, pimba! Defendo a tese (que pode ser redigida por um ghost writer) e estarei apto a ensinar nas mais reputadas universidades brasileiras!
Ainda perplexo, perguntei:
– E o curso é reconhecido no Brasil?
– Claro, professor! Os responsáveis informaram que o Tratado de Assunção garante o reconhecimento automático. E nem é preciso saber espanhol. Viva o MERCOSUL! E antes que eu pudesse dizer alguma coisa, despediu-se e perdeu-se entre os consumidores que lotavam as liquidações no Iguatemi!
Ainda perplexo, comecei a refletir sobre o caso. O Brasil tem rigorosas regras de pós-graduação. Sou coordenador do mestrado em direito da UFAL. O curso é frequentemente fiscalizado pela CAPES e CNPQ e por outros órgãos do Governo Federal. Itens como a carga horária, aquisição de livros e revistas especializados, produção científica dos professores, qualidade das dissertações e organização de grupos de pesquisa são exigidos de forma implacável pelas auditorias comandadas por renomados juristas.
Em 20 anos de carreira, nunca vi um aluno ser admitido no doutorado sem antes ter, pelo menos, cursado as disciplinas do mestrado. O conhecimento de, pelo menos, 2 línguas estrangeiras é pré-requisito de admissão em todas as seleções.
Obscuras universidades estrangeiras têm oferecido cursos de doutorado sem observar nenhuma das exigências previstas na legislação brasileira. Os alunos são atraídos por facilidades como a supressão do mestrado, dispensa de aulas ou dedicação exclusiva aos estudos. As vítimas geralmente são pessoas que querem pular etapas, contornar dificuldades como a dispensa de exames de conhecimentos e de línguas estrangeiras.
Acreditam piamente que seus diplomas serão reconhecidos no país. Afinal, o famoso “jeitinho brasileiro” sempre funciona, né? Ledo engano. O Brasil não adota o sistema de reconhecimento automático de diplomas estrangeiros. Existe um complexo procedimento jurídico de validação que passa obrigatoriamente pela análise da qualidade da pós-graduação. É evidente que os cursos de aluguel não preenchem as mínimas condições de equivalência com os reconhecidos pela CAPES.
Em outras palavras, os diplomas não serão jamais reconhecidos e o problema possivelmente vai parar na Justiça com a propositura de ações de indenização contra os responsáveis. Lembro do caso de uma prima que tem diploma de doutorado expedido por uma universidade argentina há mais de 8 anos e que nunca foi validado no Brasil. O grupo de “doutores” ainda hoje luta para resolver a situação.
Aconselho a todos que estão tentados a inscrever-se nesses cursos a consultar as regras da CAPES sobre o reconhecimento de diplomas estrangeiros no Brasil. Afinal é um investimento alto, cerca de R$ 20.000,00, fora despesas com passagens aéreas, hospedagem e alimentação. Se o interesse é visitar as terras portenhas, beber um bom vinho, dançar nas casas de tango ou fazer compras nas elegantes calles, tudo bem. Vale a pena. Mas se o desejo é seguir a carreira acadêmica, todo cuidado é pouco. Afinal ninguém tem tempo a perder.

George Sarmento


Transcrevo o posicionamento do Governo Federal - CAPES sobre a matéria.


Validade nacional de diploma obtido no exterior

Para gozar de validade no Brasil, o diploma conferido por estudos realizados no exterior deverá se submeter à reconhecimento por universidade brasileira que possua curso de pós-graduação avaliado e reconhecido, na mesma área do conhecimento e em nível equivalente ou superior (art. 48, da LDB). Assim, qualquer informação sobre critérios e procedimentos do reconhecimento (revalidação) deverá ser obtida junto à própria universidade, que os define, no exercício de sua autonomia técnico-científica e administrativa, observando as normas pertinentes.
Mesmo o diploma de Mestre ou Doutor, proveniente de país integrante do MERCOSUL, está sujeito ao reconhecimento.O acordo de admissão de títulos acadêmicos,aprovado pelo Decreto Legislativo nº 800, de 23.10.2003, e promulgado pelo Decreto nº 5.518, de 23/08/2005, não dispensa da revalidação/reconhecimento (Art.48, § 3º,da LDB) os títulos de pós-graduação conferidos em razão de estudos feitos nos demais países membros do Mercosul, embora permita, para o exercício de atividades de docência e de pesquisa, conforme explicitado pelo
Parecer PF-Capes nº 003, de 11/01/07 .
Atenção! O Recurso ao CNE, contra ato denegatório do reconhecimento de diploma de mestrado ou doutorado estrangeiro, previsto no § 3º, do artigo 4º, da Resolução CNE/CES n.º 01, de 03/04/2001, deve ser interposto perante a Universidade que proferir a decisão, consoante disposto no artigo 56, § 1º, da Lei n.º 9.784, de 29/01/99 (http://www.capes.gov.br/).
Precisa dizer mais alguma coisa?

segunda-feira, 9 de março de 2009

CUIDADO COM OS ESPERTALHÕES!

Recebi do amigo Andreas Krell uma denúncia que merece ser divulgada para evitar que alguns incautos que sonham com a calçada da fama caiam no "conto do vigário". Espertalhões têm criado instituições com o objetivo de distribuir prêmios internacionais de reconhecimento por relevantíssimos serviços prestados à humanidade. As vítimas são pessoas crédulas, que acreditam piamente nos bons propósitos dos vigaristas e terminam ostentando um título inexistente, que nada acrescenta aos seus curriculos vitaes. Para evitar situações constrangedoras e hilárias, repasso a notícia para que cada um tire suas próprias conclusões.


Muitos pesquisadores recebem cartas do International Biographical Institute (Cambridge, England), do American Biographical Institute (Raleigh, North Carolina) e outras organizações, as quais os informam que ganharam um prêmio de reconhecimento por seu trabalho. Essas instituições enviam comunicados para um número elevado de pessoas, prometendo aos mesmos a inclusão em uma lista que soa prestigiosa ou a entrega de um prêmio numa reunião.

São oferecidas várias categorias de reconhecimento, para atrair pessoas ingênuas, como, por exemplo, os "2000 Cientistas Líderes do Século XXI", o "Livro dos 2000 Intelectuais", os "500 Líderes de Influência", as "5000 Personalidades do Mundo", as "Grandes Mentes do Século XXI", a "Elite dos Gênios", o "Registro dos Experts Mais Respeitados do Mundo", o "Laureado Mundial do Instituto Biográfico Americano" etc.

Cada receptor de tal mensagem é "convidado" a adquirir itens que podem ser orgulhosamente expostos ou usados para dar conta da alta distinção honrosa, como uma cópia do livro (talvez em edição luxuosa de couro), uma placa ou medalha (com o nome do receptor finamente gravado) ou até uma faixa (esplendidamente bordada em filete dourado). Cada um desses sinais de reconhecimento custa acerca de 250 dólares; a alternativa do registro numa reunião pode custar o dobro. Não há dúvida que prometer este tipo de "reconhecimento" é um negócio lucrativo.

Algumas (sobretudo confiantes) pessoas na Europa e América do Norte mesmo reivindicaram o reconhecimento proporcionado por estes "prêmios" mediante inserção na sua lista de qualificações. Em algumas partes do mundo, anúncios são postos em jornais por parte dos receptores para noticiar os prêmios, um comportamento reforçado pelo fato de que lá ninguém ri deles por ter gasto dinheiro dessa maneira.

Entretanto, dá para entender o nível de triagem a que potenciais receptores são sujeitos pela resposta dada quando um hotel indiano submeteu o nome do seu cozinheiro: ele recebeu devidamente uma placa e menção por seu "Papel de Liderança na Sociedade Sul-Asiática".

(Tradução livre do artigo: Dubious awards: Sashes and such. Newsletter of the Biological Survey of Canada. Volume 26, n. 1, 2007. www.biology.ualberta.ca/bsc/news26_1/awards.htm. Acesso: mar. 2009.)

domingo, 8 de março de 2009

O UNIVERSO DA FOQUINHA

ISAAC SANDES

Em um movimentado parque aquático havia uma reconchochuda foquinha, a grande sensação daquela piscina. Disputada que era por crianças do mundo inteiro.
De tanto ouvir seu domador elogiar as virtudes de seu trabalho e a nobreza de sua missão, a gorda foquinha fazia gato e sapato de seus malabares, embicava a bolinha colorida, batia palminhas, fazia gestos que imitavam um agradecimento e vivia assim, orgulhosa e presunçosa em seu pequeno universo.
Tantos anos haviam passado, que em sua memória institiva de animal a foquinha já esquecera do oceano no qual um dia nascera. Para ela o universo era seu tão conhecido tanque.
De tanto viver no seu cativeiro, nossa foquinha já se arvorava a criticar aqueles da sua espécie que viviam livres e indolentes no imenso universo de água salgada.
Criticava-os como indolentes, preguiçosos, os quais, no seu ponto de vista, nunca haviam descoberto os prazeres do trabalho que mecanicamente executava com destreza e “alegria”.
E, diariamente, já repetia a forjada frase com que seu explorador e amestrador a incentivava a repetir as mais diversas performances: “O trabalho dignifica a foquinha. Blá, blá, blá ... blá, blá, blá...”!
Assim vivia a incauta foquinha, do tanque para a piscina e da piscina para o tanque, numa rotina quase nauseante.
Mas, como mais nada sabia fazer aquela foquinha além das engraçadas performances, operou-se em sua mente a máxima de Goebbles: Uma mentira muitas vezes repetida, termina soando como inquestionável verdade.
E cada vez mais nossa foquinha criticava suas colegas que ficaram no mar por não saberem, a seu ver, fazer nada, por não terem uma missão como ela, por serem indolentes e viverem quase num bacanal hedonista. Enfim, por trabalharem apenas para seu sustento e o da familia. Dizia ainda que não via graça nenhuma naquele imenso oceano cheio perigos, traiçoeiras correntes e inexpugnáveis fossas abissais.
Porque suas colegas não seguiam seu exemplo de trabalho e dedicação e largavam aquela vida de frívola e pueril alegria ? De discussões filosóficas que nada de produtivo geravam? Quem nesse tipo de boa vida iria aprender a manipular malabares, equilibrar bolinhas coloridas, bater palminhas e agradecer ao distinto público? E, em troca, receber saborosas sardinhas? Aquele sim era, para ela, o verdadeiro universo e sentido da vida.
Passaram-se os anos e num determinado dia, nossa incansável e trabalhadora foquinha sentiu uma pequena fisgada em sua patinha direita , deixando cair a bolinha. Seu domador vendo aquilo franziu o cenho e procurou disfarçar o pequeno fracasso para o distinto público.
Seguiram-se mais dores, mais fracassos e diversas interrupções das apresentações. Em demorados exames, a direção do parque para não perder público, concluiu que nossa outrora e disposta foquinha estava acometida de grave LER e que, portanto, deveria ser substituída em breve. Lucros cessantes!!! Lucros cessantes!!! Isso Jamais poderemos sofrer, diziam.
Não! Não é Possível, repetia a desolada foquinha. Dei minha vida por este parque, não é Possível que, assim tão abruptamente, eles me descartem e me esqueçam. Não...! Não...!!! Desesperada gritava.
Enquanto isso lá fora, aqueles a quem nossa foquinha passara a vida criticando, também chegaram à velhice. No entanto, não estavam sofrendo tanto quanto sua amestrada companheira. Haviam criado ao longo de suas vidas vários grupos de discussão, várias comunidades dos mais diversos hobbies. Suas mentes estavam sempre abertas para as mais diversas discussões e atividades. Conheciam grande parte do oceano em que viviam, bem como de sua rigorosa cadeia alimentar, pois viajaram sempre nas mais diversas correntes marítimas. Em resumo, não ter levado a vida tão à sério e tão limitada, havia lhes proporcionado uma velhice mais amena, não sofriam de LER em suas patinhas e, com suas mentes abertas para o grande universo oceânico, haviam adquirido algum senso de interação e da posição que sua espécie ocupava nele. Não era desimportante mas estava muito longe de ocupar a posição central.
Enquanto isto nossa foquinha, que por um gesto de bondade de determinada comunidade ecológica, fora devolvida ao verdadeiro oceano, sentia-se, paradoxalmente, como um peixe fora d ‘agua. Triste ironia.
A imensidão do oceano a deixava atordoada, quase gerando uma síndrome do pânico. Nadar longas distâncias era um martírio para patinhas atrofiadas e acometidas de violenta artrose, participar dos grupos afeitos a discussão de temas modernos e atuais, era para ela quase como um portador de Alzheimer entrar num jogo de memória.
Então, as outrora desdenhadas companheiras, num grandioso gesto de ”Focanidade” acolheram a velha foquinha em seus grupos e passaram a desenvolver com ela um longo e trabalhoso processo de readaptação, para que, enfim, todos e, ao final, tivessem uma morte digna e menos melancólica.
Com toda dignidade, suas antes criticadas amigas nunca lhes falaram dos seus tempos de presunção e arrogância e, assim, uma a uma, as contemporâneas foquinhas foram morrendo, e, junto com elas, ali, com suas patinhas e mente ainda um tanto quanto atrofiadas, aquela que um dia fora nossa arrogante, presunçosa, infatigável e trabalhadora foquinha.

Isaac Sandes
05/03/09