GEORGE SARMENTO
Quando me perguntam se pratico esportes regularmente, respondo: caminhadas. Ainda criança, costumava passar as manhãs no Clube Fênix Alagoana onde jogava voleibol, futebol e outros esportes coletivos. Na rua em que morava, no bairro do Farol, havia campinhos improvisados que eram palcos dos populares “rachas” reunindo meninos da redondeza, ricos e pobres, sem discriminações. O abismo social ainda não nos tinha sido apresentado pela sociedade capitalista.
Já adulto, os amigos foram se dispersando e os encontros escassearam-se até desaparecerem completamente. Alguns mergulharam nos intermináveis compromissos do casamento, outros engordaram, muitos sucumbiram ao sedentarismo, sem falar daqueles que simplesmente sumiram sem deixar vestígios de suas histórias de vida.
Foi então que comecei a praticar esportes individuais, sobretudo caminhadas diárias à beira mar. Nunca fui muito resistente a corridas, embora hoje tenha mais fôlego do que antes – o que para mim é mais um mistério insondável da existência humana. Eu tinha 24 anos, era promotor de justiça e havia construído um simpático chalé na praia de Guaxuma. Estava em pleno gozo das prerrogativas que a liberdade e a independência financeira podiam propiciar a uma pessoa de minha idade. E adorava caminhar... Pés descalços na areia macia, vento acariciando os cabelos e a contemplação da paisagem marinha.
Nunca caminhei para emagrecer, tonificar os músculos, fortalecer as funções cardíacas ou aumentar os meus dias de vida no Planeta Terra. As caminhadas serviram muito mais para exercitar o cérebro do que o corpo. As melhores idéias que tive se revelaram no curso de uma boa caminhada. A solução de muitos problemas existenciais, profissionais e financeiros aconteceu nas mesmas circunstâncias. São momentos mágicos em que entramos em perfeita sintonia com a natureza.
Retifico o que disse acima. Andar não é um esporte, mas um estilo de vida. Tem gente que anda para não ter um enfarte, para se entorpecer de endorfina ou para conter a agressividade. O que faço é diferente. Aproxima-se muito do que denominamos flanar, isto é, caminhar sozinho, sem rumo, observando calmamente a paisagem urbana ou rural (no meu caso, marinha), com a mente livre e o corpo relaxado.
O flâneur foi eternizado pelo poeta francês Charles Baudelaire no ensaio intitulado O Pintor da Vida Moderna, publicado no Século XIX. Personagem tipicamente parisiense, o flâneur é descrito como um caminhante anônimo que observa apaixonadamente o espetáculo da vida, que recolhe impressões do cotidiano e as eterniza no papel quando ainda se encontram bem vivas em sua memória. Graças a ele, foram criados os bulevares, os jardins, os passeios públicos, lugares onde a paisagem “feita de gente viva” se mistura ao esplendor das árvores e flores. Mesmo no Brasil contemporâneo, áreas urbanas são especialmente projetadas para os praticantes de caminhadas. São espaços frequentados por pessoas de todas as idades, com os mais diversos interesses.
A França produziu flâneurs como Diderot, Voltaire e Balzac, escritor que recolhia das ruas a maioria dos personagens de seus romances e conseguiu traçar um dos mais fiéis retratos da sociedade de sua época. Recentemente li Os Devaneios de um Caminhante Solitário, o último livro escrito por Jean-Jacques Rousseau. Seu objetivo era descrever o estado habitual da alma durante as caminhadas solitárias pelos arredores de Paris. O método é simples: manter a mente livre por inteiro para que as idéias e devaneios sigam suas inclinações, sem resistência e sem dificuldade.
O filósofo chegou a declarar que “essas horas de solidão e de meditação são as únicas do dia em que eu sou eu mesmo por inteiro e pertenço a mim sem distração, sem obstáculo, e em que posso dizer de verdade que sou o que a natureza quis”. A obra de Rousseau inaugura uma nova estética do caminhar como autoconhecimento, sendo precursora de peregrinações como o Caminho de Compostela e a escalada de Machu Picchu.
Em seu livro Meditar Caminhando, Thich Nhat Hahn, um monge vietinamita exilado na França, também fala dos benefícios psíquicos e físicos das caminhadas lentas, contemplativas, plenas de pensamentos positivos e exercícios respiratórios. Já testemunhei seguidores do líder budista aplicar suas técnicas em passeios pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com resultados maravilhosos para a saúde.
Vivemos num mundo dominado pelo pragmatismo. As pessoas estão ávidas para consumir poções mágicas de vitalidade. Prolongar a juventude, manter-se atraente, gozar de saúde são aspirações legítimas e podem ser perseguidas com avidez por aqueles que aspiram melhorias em sua qualidade de vida. Pergunto: para que as esteiras mecânicas se o mundo está ao alcance de todos? As caminhadas não são meros instrumentos de fortalecimento do corpo físico. O movimento pelo movimento de nada vale se não estimular a inteligência. A lição que nos deixa a arte de flanar é que as caminhadas são prazeres democráticos e benéficos tanto para o corpo como para a alma. E,ainda por cima, não custam nada!
Já adulto, os amigos foram se dispersando e os encontros escassearam-se até desaparecerem completamente. Alguns mergulharam nos intermináveis compromissos do casamento, outros engordaram, muitos sucumbiram ao sedentarismo, sem falar daqueles que simplesmente sumiram sem deixar vestígios de suas histórias de vida.
Foi então que comecei a praticar esportes individuais, sobretudo caminhadas diárias à beira mar. Nunca fui muito resistente a corridas, embora hoje tenha mais fôlego do que antes – o que para mim é mais um mistério insondável da existência humana. Eu tinha 24 anos, era promotor de justiça e havia construído um simpático chalé na praia de Guaxuma. Estava em pleno gozo das prerrogativas que a liberdade e a independência financeira podiam propiciar a uma pessoa de minha idade. E adorava caminhar... Pés descalços na areia macia, vento acariciando os cabelos e a contemplação da paisagem marinha.
Nunca caminhei para emagrecer, tonificar os músculos, fortalecer as funções cardíacas ou aumentar os meus dias de vida no Planeta Terra. As caminhadas serviram muito mais para exercitar o cérebro do que o corpo. As melhores idéias que tive se revelaram no curso de uma boa caminhada. A solução de muitos problemas existenciais, profissionais e financeiros aconteceu nas mesmas circunstâncias. São momentos mágicos em que entramos em perfeita sintonia com a natureza.
Retifico o que disse acima. Andar não é um esporte, mas um estilo de vida. Tem gente que anda para não ter um enfarte, para se entorpecer de endorfina ou para conter a agressividade. O que faço é diferente. Aproxima-se muito do que denominamos flanar, isto é, caminhar sozinho, sem rumo, observando calmamente a paisagem urbana ou rural (no meu caso, marinha), com a mente livre e o corpo relaxado.
O flâneur foi eternizado pelo poeta francês Charles Baudelaire no ensaio intitulado O Pintor da Vida Moderna, publicado no Século XIX. Personagem tipicamente parisiense, o flâneur é descrito como um caminhante anônimo que observa apaixonadamente o espetáculo da vida, que recolhe impressões do cotidiano e as eterniza no papel quando ainda se encontram bem vivas em sua memória. Graças a ele, foram criados os bulevares, os jardins, os passeios públicos, lugares onde a paisagem “feita de gente viva” se mistura ao esplendor das árvores e flores. Mesmo no Brasil contemporâneo, áreas urbanas são especialmente projetadas para os praticantes de caminhadas. São espaços frequentados por pessoas de todas as idades, com os mais diversos interesses.
A França produziu flâneurs como Diderot, Voltaire e Balzac, escritor que recolhia das ruas a maioria dos personagens de seus romances e conseguiu traçar um dos mais fiéis retratos da sociedade de sua época. Recentemente li Os Devaneios de um Caminhante Solitário, o último livro escrito por Jean-Jacques Rousseau. Seu objetivo era descrever o estado habitual da alma durante as caminhadas solitárias pelos arredores de Paris. O método é simples: manter a mente livre por inteiro para que as idéias e devaneios sigam suas inclinações, sem resistência e sem dificuldade.
O filósofo chegou a declarar que “essas horas de solidão e de meditação são as únicas do dia em que eu sou eu mesmo por inteiro e pertenço a mim sem distração, sem obstáculo, e em que posso dizer de verdade que sou o que a natureza quis”. A obra de Rousseau inaugura uma nova estética do caminhar como autoconhecimento, sendo precursora de peregrinações como o Caminho de Compostela e a escalada de Machu Picchu.
Em seu livro Meditar Caminhando, Thich Nhat Hahn, um monge vietinamita exilado na França, também fala dos benefícios psíquicos e físicos das caminhadas lentas, contemplativas, plenas de pensamentos positivos e exercícios respiratórios. Já testemunhei seguidores do líder budista aplicar suas técnicas em passeios pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com resultados maravilhosos para a saúde.
Vivemos num mundo dominado pelo pragmatismo. As pessoas estão ávidas para consumir poções mágicas de vitalidade. Prolongar a juventude, manter-se atraente, gozar de saúde são aspirações legítimas e podem ser perseguidas com avidez por aqueles que aspiram melhorias em sua qualidade de vida. Pergunto: para que as esteiras mecânicas se o mundo está ao alcance de todos? As caminhadas não são meros instrumentos de fortalecimento do corpo físico. O movimento pelo movimento de nada vale se não estimular a inteligência. A lição que nos deixa a arte de flanar é que as caminhadas são prazeres democráticos e benéficos tanto para o corpo como para a alma. E,ainda por cima, não custam nada!