RECOMEÇO
Mal começara a vida em comum, o marido
tratou de convencê-la de que era incapaz de seguir a profissão com que tanto
sonhara: professora de belas artes na universidade local. Afirmava ser ela
desprovida de vocação e de formação científica para conduzir as disciplinas e
participar dos acirrados debates acadêmicos. Deveria evitar o vexame, a vergonha de expor sua inferioridade intelectual.
Só queria protegê-la de futuras frustrações.
Só queria protegê-la de futuras frustrações.
Fingiu acreditar na perversa falácia.
Conformou-se em fundar uma família aparentemente feliz com o homem que amava. Mas não conseguiu
escapar ao sentimento de frustração por ter desistido tão facilmente dos seus
sonhos. Procurava esconder o amargor da derrota sem combate, esmerando-se na criação
dos filhos e na condução do lar.
O marido reclamava constantemente de problemas
financeiros. Recusava ir a restaurantes em companhia da esposa sob o argumento
de que era preciso economizar – melhor seria preparar um jantarzinho em casa ou
visitar amigos. Mas era visto ao lado de belas mulheres em animadas noitadas, sem
a menor preocupação com as contas astronômicas.
Levou anos para descobrir a farsa que sempre fora o casamento. O alto preço que pagara por sua renúncia. Sentiu-se presa
à armadilha que ajudara a construir com seu silêncio. Vivia reclusa enquanto
ele enredava-se em aventuras amorosas. Já não era uma mulher jovem, mas ainda era capaz de transgredir, escapar ao conformismo, perseguir a vocação sufocada por tantos anos...
Certo dia abandonou a casa sem nada explicar,
sem nada pedir, sem nada reivindicar. Os apelos do marido foram inúteis. Os
pedidos de perdão também. Pela primeira vez sentiu-se verdadeiramente livre.
Não guardava mágoa, ódio, nada. Renascia como a mulher livre que deveria ter
sido.
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