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quinta-feira, 16 de julho de 2020

RECOMEÇO


Mal começara a vida em comum, o marido tratou de convencê-la de que era incapaz de seguir a profissão com que tanto sonhara: professora de belas artes na universidade local. Afirmava ser ela desprovida de vocação e de formação científica para conduzir as disciplinas e participar dos acirrados debates acadêmicos. Deveria evitar o vexame, a vergonha de expor sua inferioridade intelectual.

     Só queria protegê-la de futuras frustrações.

Fingiu acreditar na perversa falácia. Conformou-se em fundar uma família aparentemente feliz com o homem que amava. Mas não conseguiu escapar ao sentimento de frustração por ter desistido tão facilmente dos seus sonhos. Procurava esconder o amargor da derrota sem combate, esmerando-se na criação dos filhos e na condução do lar.

O marido reclamava constantemente de problemas financeiros. Recusava ir a restaurantes em companhia da esposa sob o argumento de que era preciso economizar – melhor seria preparar um jantarzinho em casa ou visitar amigos. Mas era visto ao lado de belas mulheres em animadas noitadas, sem a menor preocupação com as contas astronômicas.

Levou anos para descobrir a farsa que sempre fora o casamento. O alto preço que pagara por sua renúncia. Sentiu-se presa à armadilha que ajudara a construir com seu silêncio. Vivia reclusa enquanto ele enredava-se em aventuras amorosas. Já não era uma mulher jovem, mas ainda era capaz de transgredir, escapar ao conformismo, perseguir a vocação sufocada por tantos anos...

Certo dia abandonou a casa sem nada explicar, sem nada pedir, sem nada reivindicar. Os apelos do marido foram inúteis. Os pedidos de perdão também. Pela primeira vez sentiu-se verdadeiramente livre. Não guardava mágoa, ódio, nada. Renascia como a mulher livre que deveria ter sido. 

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