O GOLPE DO BAÚ
GEORGE SARMENTO
Olavo era um solteirão convicto. Daqueles que farejam uma enrascada a quilômetros de distância. Ao longo da vida fugira de todas as armadilhas para resgatá-lo do cômodo celibato. As moças casadoiras até que insistiram. Mas ele se mostrava inflexível às tentações carnais e ao sonho de constituir família. Chegou aos 65 anos da maneira com que havia sonhado: uma excelente aposentadoria, saúde de ferro e sem as cotidianas preocupações domésticas.
Encontrávamos com certa frequencia no Hiper Bompreço. Quase sempre ele estava na cafeteria, discutindo alegremente com os seus companheiros de “senadinho”, vocábulo aqui usado para descrever os grupos de aposentados que se reúnem diariamente em lugares estratégicos – bancas de revistas ou shoppings centers – para relembrar o passado, falar da vida alheia ou comentar as notícias do dia.
Adorava cortejar vendedoras das lojas e lanchonetes, sem jamais se deixar seduzir pelos encantos femininos ou assumir compromisso mais duradouro. Diante da mais leve ameaça de romper com sua solteirice, já pulava fora sem dar maiores explicações. Em nossas conversas, e foram muitas, ele descrevia deliciosamente os estratagemas utilizados para se safar dos compromissos matrimoniais, velados ou escancarados.
Certo dia encontro o Olavo um pouco acabrunhado, como quem está prestes a tomar uma importante decisão. Ele palitava os dentes e tinha um olhar perdido. Seu café estava frio e intocado. Perguntei o que tinha ocorrido. Ele não se fez de rogado. Pigarreou, aproximou-se do meu rosto e sussurrou:
– Rapaz, estou apaixonado! Agora sim, encontrei o amor da minha vida. Valeu a pena esperar tanto tempo. Ela é linda: 25 anos, evangélica, extremamente recatada. Fidelíssima! Moça do interior... Não cansa de dizer que me ama, que viverá sempre ao meu lado. É benzinho para cá, amorzinho para lá... Você precisa ver!
Parabenizei-o calorosamente e desejei muitas felicidades para o casal. Ele prometeu que me enviaria o convite de casamento.
Meses depois encontro o Olavo, muito alegre e sorridente ao lado dos correligionários de senado. Abro os braços e pergunto:
– Cadê o convite? Esqueceu dos amigos ou não quer gastar dinheiro com a festança?
Ele me pegou pelo braço, levou-se a um canto e respondeu:
– Que casamento, George? Eu ia caindo numa esparrela. Saí a tempo. Seu eu não fosse arisco como um sibite estaria hoje nas mãos daquela vigarista.
– Mas você não tinha me dito que finalmente descobrira o verdadeiro amor? Que sua noiva era um poço de virtudes?
– Você não sabe o que aconteceu... Depois de várias semanas de felicidade, decidi ir à Taquarana conhecer a família da moça. Chegamos à casa de uma irmã, que me olhou com desdém, deixando bem claro o desprezo que sentia por mim. Conversamos um pouco na sala e a anfitriã fazia questão de me ignorar. Sob o pretexto de coar um café, a dona da casa chamou-a para conversar na cozinha. Meio desconfiado, levantei-me do sofá e, pé ante pé, encostei o ouvido na parede para escutar o que elas tramavam.
Olhou fixamente para mim, com os olhos injetados de sangue, a boca levemente trêmula de emoção:
- A megera perguntou à minha bela noivinha (senti um toque de ironia em sua voz) por que ela, tão bonita e jovem, havia arrumado um velho como eu, que mal se segurava em pé. Sabe o que ela respondeu? “você fez tudo certinho e hoje é uma pobretona. O que adiantou casar por amor? Eu sou mais esperta. Darei o golpe do baú. O coroa tem uma aposentadoria de 18 mil reais! Sabe o que é isso? Terei dois filhos com ele, depois lhe dou um belo chute na bunda e, ainda por cima, embolsarei uma gorda pensão alimentícia para o resto da vida!"
– E o que você fez após essa trágica descoberta?
Encontrávamos com certa frequencia no Hiper Bompreço. Quase sempre ele estava na cafeteria, discutindo alegremente com os seus companheiros de “senadinho”, vocábulo aqui usado para descrever os grupos de aposentados que se reúnem diariamente em lugares estratégicos – bancas de revistas ou shoppings centers – para relembrar o passado, falar da vida alheia ou comentar as notícias do dia.
Adorava cortejar vendedoras das lojas e lanchonetes, sem jamais se deixar seduzir pelos encantos femininos ou assumir compromisso mais duradouro. Diante da mais leve ameaça de romper com sua solteirice, já pulava fora sem dar maiores explicações. Em nossas conversas, e foram muitas, ele descrevia deliciosamente os estratagemas utilizados para se safar dos compromissos matrimoniais, velados ou escancarados.
Certo dia encontro o Olavo um pouco acabrunhado, como quem está prestes a tomar uma importante decisão. Ele palitava os dentes e tinha um olhar perdido. Seu café estava frio e intocado. Perguntei o que tinha ocorrido. Ele não se fez de rogado. Pigarreou, aproximou-se do meu rosto e sussurrou:
– Rapaz, estou apaixonado! Agora sim, encontrei o amor da minha vida. Valeu a pena esperar tanto tempo. Ela é linda: 25 anos, evangélica, extremamente recatada. Fidelíssima! Moça do interior... Não cansa de dizer que me ama, que viverá sempre ao meu lado. É benzinho para cá, amorzinho para lá... Você precisa ver!
Parabenizei-o calorosamente e desejei muitas felicidades para o casal. Ele prometeu que me enviaria o convite de casamento.
Meses depois encontro o Olavo, muito alegre e sorridente ao lado dos correligionários de senado. Abro os braços e pergunto:
– Cadê o convite? Esqueceu dos amigos ou não quer gastar dinheiro com a festança?
Ele me pegou pelo braço, levou-se a um canto e respondeu:
– Que casamento, George? Eu ia caindo numa esparrela. Saí a tempo. Seu eu não fosse arisco como um sibite estaria hoje nas mãos daquela vigarista.
– Mas você não tinha me dito que finalmente descobrira o verdadeiro amor? Que sua noiva era um poço de virtudes?
– Você não sabe o que aconteceu... Depois de várias semanas de felicidade, decidi ir à Taquarana conhecer a família da moça. Chegamos à casa de uma irmã, que me olhou com desdém, deixando bem claro o desprezo que sentia por mim. Conversamos um pouco na sala e a anfitriã fazia questão de me ignorar. Sob o pretexto de coar um café, a dona da casa chamou-a para conversar na cozinha. Meio desconfiado, levantei-me do sofá e, pé ante pé, encostei o ouvido na parede para escutar o que elas tramavam.
Olhou fixamente para mim, com os olhos injetados de sangue, a boca levemente trêmula de emoção:
- A megera perguntou à minha bela noivinha (senti um toque de ironia em sua voz) por que ela, tão bonita e jovem, havia arrumado um velho como eu, que mal se segurava em pé. Sabe o que ela respondeu? “você fez tudo certinho e hoje é uma pobretona. O que adiantou casar por amor? Eu sou mais esperta. Darei o golpe do baú. O coroa tem uma aposentadoria de 18 mil reais! Sabe o que é isso? Terei dois filhos com ele, depois lhe dou um belo chute na bunda e, ainda por cima, embolsarei uma gorda pensão alimentícia para o resto da vida!"
– E o que você fez após essa trágica descoberta?
– Nada. Dei meia volta, abri a porta sem fazer barulho e ganhei o mundo. Entrei no carro e parti sem olhar para trás. Nunca mais encontrei aquela dissimulada.
Ainda emocionado abraçou-me calororamente e disse:
– Depois dessa, quem falar em casamento na minha frente vira inimigo.
E voltou à sessão do "senadinho" mais solteiro do que nunca.
Foto: http://3.bp.blogspot.com/_ncSSGv4MaLQ/SP
5 comentários:
Grande George.
Esse quase golpeado, tá com a cara do Orival França.
Isaac,
É pura ficção kkkkkkkkk
George
kkkkkkkk
adorei...
bem, toda ficção tem um "q" de verdade...
abraços...
Grande e eterno professor, esqueceu os dizeres: Qualquer semelhança é mera coincidência"
Abraços.
Narrativa encantadora, parabéns!
Grande abraço.
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