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sábado, 8 de agosto de 2009

MENTES EMBACIADAS


ISAAC SANDES

É sabido de todos que nosso cérebro é o mais completo, gigantesco e eficiente computador jamais criado.
Sabemos também ser ele executor do mais complexo sistema operacional até agora conhecido: o comportamento humano. Complexidade advinda do fato de ser autogerenciado e autodeterminado.
Difere dos sistemas operacionais instalados nos cérebros dos demais animais, os quais agem e executam rotinas comportamentais simples e naturais, guiadas por uma plataforma rígida e pré-estabelecida à qual chamamos de instinto.

Nosso sistema operacional comportamental, envolve grande complexidade e constante aperfeiçoamento cuidando para que nossa conduta não marche no grupo de forças rotineiras e instintivas que a natureza estabeleceu como regra para as demais criaturas.
Do alto de nossa presunção e soberba, tentamos incutir, em nós mesmos, a precária verdade de que o usufruto de tal discernimento nos torna superiores. Esquecemos que a natureza, ao longo dos seus treze bilhões de anos de aperfeiçoamento, não comete erros nem irá tolerar tal rebeldia. Jamais permitirá ela que, entre os milhões de espécies, a nossa, com a sua dita autodeterminação, seja o flautim a desafinar na sua imensa orquestra.
Então, de posse dessa sua singularidade e arrogância, a espécie humana, autodenominada de homo sapiens, cometeu um dia o que considero ter sido o verdadeiro pecado original. O extermínio da única espécie de animais, igualmente inteligentes, que habitava o planeta junto com ela.
Assim, em determinado momento do mais recuado tempo, ao matar o último homem de Neandertal, nossa espécie, dita espécie inteligente, se viu única e solitária em todo planeta ou, quem sabe, no universo, perdendo o contraponto até então existente naquela que acabava de sucumbir.
Desde então, julgando-se o senhor do universo, vem tentando modificar a natureza e impor aos seus semelhantes as mais diversas regras de condutas que, por sua vez, sempre estarão em choque com as condutas ditadas pelo sistema operacional natural que teima em existir no âmago de nosso cérebro.
Diante disto, a natureza, com sua força descomunal, ciente de que o homem não passa, apenas, de mais uma mísera espécie, descartável a qualquer momento por desnecessária, está sempre a exigir o que lhe foi roubado. O comando de sua criatura !!
É um verdadeiro cabo de força! Numa extremidade, nossa pequena espécie e seu autodeterminismo, noutra, a natureza com suas imensuráveis forças, trilhando seu curso natural.
Das profundezas de nosso cérebro o instinto natural manda que façamos sexo sem regras, sem amarras e sem convenções. Enquanto nosso superficial e recente córtex nos empurra para uma prática sexual, certinha, cheia de regras, maneirismos, condutas ditas éticas e etiquetas. Até discutimos a relação no pós coito.
É, o cérebro reptiliano mandando que matemos nossa fome da maneira mais animal e eficiente possível. Enchendo nossas bocas e barrigas como se predadores espreitassem nossa comida. Que soltemos barulhentos arrotos para que o ar expelido nos dê mais espaço no estômago. Detonando poderosos puns no repasto para que nossos intestinos apressem a expulsão da refeição passada em benefício da recém ingerida.

E, por outro lado, nosso novo e dito civilizado sistema operacional, nos impondo maneiras finas de sentar à mesa, ditando métodos do usos de talheres, ordem de uso das peças, etc. Até nos ensinando que devemos sempre sair da mesa com um pouco de fome e que, nela, não devemos permitir qualquer manifestação originária dos nossos primitivos instintos.
É a natureza mandando que durmamos sempre que estivermos saciados de comida e sexo, pois assim agem todos os demais animais, até que tais necessidades instintivas retornem. Enquanto, por sua vez, nosso civilizado sistema sempre a nos empurrar para a faina diária, impondo que acumulemos mais comida do que necessitamos, nos mandando fazer sexo não para o bem da espécie, mas para mostrarmos desempenho, performance e poder.
É o impulso natural e instintivo dizendo que só devemos possuir o que pudermos carregar, e, por seu lado, nossa dita razão e autodeterminação nos empurrando para uma inconseqüente acumulação de metais, jóias, papel moeda e bujingangas tão inúteis, quanto foram os espelhinhos do escambo dos descobridores para nossos indígenas.
É a vontade primeva de nossos neurônios martelando lá no fundo para que andemos nus e integrados à natureza, enfrentando em feroz luta, as impostas e antinaturais regras, que pregam: “O corpo nu, sem os inúteis badulaques, é indigno, é imoral" .
É o gene egoísta que quer, à custa da irreprimível força natural, se replicar em conjunção com a fêmea eleita e receptiva que passa na frente do macho, ou vice-versa. Em eterna luta contra o cabedal de regras e leis que dizem que ele só deverá se replicar apenas com aquela fêmea que for conveniente para a ordem econômica, ou para a satisfação social e moral do grupo.
Talvez, nessa luta desigual, nesse penoso carregar do insuportável fardo de síndico do universo, para o qual o homem se autoelegeu, resida a origem secreta de todas as nossas neuras, de todas as nossas paranóias.
Em síntese, é o resultado de todos estes conflitos que faz o nosso Sistema Operacional, “dito inteligente", rodar lentamente e apresentar freqüentes panes, pois que atingido pelos mais diversos Bugs, provocados pelos constantes conflitos com o natural e instintivo programa que, teimosamente, é executado em paralelo nas profundezas de nossos cérebros. Tais conflitos, vez por outra, nos deixam confusos, indecisos travados. Por qual dos dois Sistemas Operacionais nossa conduta deverá se pautar? Atendemos ao poderoso e natural sistema da natureza, ou ao recente e precário sistema artificial gerado em nosso córtex cerebral? Eis a verdade.
Daí, o surgimento entre nós, presunçosos e pobres seres, de comportamentos e condutas que, sem saber, classificamos como absolutamente inexplicáveis, rotulando-as de neurose, loucura ou monstruosidade. Finalmente, atordoados, nos entregamos a gurus ou corremos para o consultório do psicanalista, sem saber que este, da mesma forma, encontra-se lá com seus próprios conflitos e inexplicáveis “Bugs" e aproveitará nossa visita para procurar respostas para ele mesmo.

Isaac Sandes
05/07/2009.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

MURRO EM PONTA DE FACA

GEORGE SARMENTO
Há um ditado popular que detesto: “não se deve dar murro em ponta de faca”.
Muitas pessoas se jactam em defender essa visão derrotista como verdade absoluta. No fundo, querem mesmo é justificar sua postura resignada e passiva diante dos desafios da vida.
A humanidade está dividida em duas categorias: os céticos e os sonhadores.
Os céticos acreditam na imutabilidade das coisas, na inutilidade das ideologias, na irrelevância dos sonhos. Detestam correr riscos. Estão mais preocupados em preservar as suas zonas de conforto do que em se arriscar a perder os espaços já conquistados. São mariposas sociais, que gravitam em torno de quem tem o poder. Mas não se enganem: quando a luz apagar, batem asas e, rapidinho, procuram outro ponto luminoso.
Os sonhadores são guiados por uma luz interior fortíssima que os faz acreditar nas utopias, nas transformações sociais, na possibilidade de ser feliz. Não se deixam vencer pelo pessimismo, pelo desencanto ou pela apatia. Estão à frente de seu tempo e, muitas vezes, são incompreendidos, marginalizados ou ridicularizados pelos "idiotas da objetividade", para usar a expressão de Nelson Rodrigues.
Mas o que seria de nós se Ícaro fosse um cético? Se Thomas Edison se conformasse com a escuridão? Imaginem se os irmãos Lumière tivessem desistido de captar as imagens em tempo real! E se Pasteur pensasse que os germes eram invencíveis? Mas havia entre eles uma coisa em comum: coragem de ensanguentar as mãos nas facas da ignorância e do obscurantismo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

HISTÓRIAS QUE COLHI NAS RUAS - EPISÓDIO II


O HOMEM QUE CORTOU A CABEÇA DO PAPA

GEORGESARMENTO

Quem vai a Roma quer ver o Papa. Maria Laura queria mais. Muito mais. Não se satisfaria em contemplar o Sumo Pontífice como uma simples anônima, perdida entre os peregrinos que lotavam a Praça São Pedro sob o sol a pino daquela manhã de verão. Pretendia vê-lo de perto, se possível tocar-lhe a túnica.
Estava envolvida nesses pensamentos, quando se depara com uma freirinha de hábitos simples e olhar suave. Conversa vai, conversa vem, descobre que a religiosa trabalhava no Vaticano e gozava certo prestígio junto ao cerimonial. Confessou-lhe ardentemente o desejo de estar perto de Bento XVI, de receber a sua santa benção.
A freirinha comoveu-se. Raramente vira tamanha determinação, tamanho ardor católico. Piscou os olhos e pediu-lhe que esperasse um pouco. Iria interceder por ela. A passos lentos, entrou em uma das dependências do Vaticano, voltando momentos depois com dois convites para a cerimônia de ordenação de bispos de várias nacionalidades, que aconteceria em poucas horas.
Guardou os ingressos como quem protege um bilhete premiado da megasena. Já se imaginava no Brasil contando a proeza para suas amigas. Voltou ao hotel, recarregou a bateria da máquina fotográfica, apagou da memória todas as fotos turísticas, escolheu a roupa que iria usar na ocasião e deitou-se um pouco para relaxar. Nada podia falhar.
Foi uma das primeiras a chegar e conseguiu um lugar privilegiado: a passarela coberta por um luxuoso tapete vermelho. Não havia dúvidas: o Papa passaria por ali antes da pregação. Na hora prevista, Bento XVI aparece seguido por um séquito de cardeais. Ela entrega a câmera ao marido e lhe pede que não economize fotos. Quanto mais, melhor – enfatizou.
Sob os aplausos dos fiéis, o Papa cruzou a passarela, portando uma vistosa batina branca, láctea, engomadíssima. Estacou diante de Maria Laura, olhou para ela e fez o sinal da cruz. Contrita, ela olhou para câmera enquanto marido tirava várias fotos. Bento XVI dirigiu-se o palanque, onde o aguardava uma imponente poltrona e as páginas do sermão que seria lido em poucos instantes.
Sem conter a curiosidade, Maria Laura pede para conferir as fotos. Olha a câmera e fica lívida. Esboça uma expressão de espanto e de decepção. De fato ela saíra nas fotos. Mas onde deveria estar a imagem de Sua Santidade, o que se via era um fundo branco e as mãos alvíssimas do Pontífice. Nada mais.
– E o Papa, aonde você enfiou o Papa? Perguntava colérica, ainda sem acreditar no que aconteceu.
– Está aí, atrás de você... Balbuciou o marido, sem saber bem o que tinha acontecido.
­– Veja com os seus próprios olhos. Apenas um pano branco. Eu quero ver o Papa, me mostra o Papa!
– É mesmo...
– Você decepou a cabeça do Papa!
–Estragou tudo! Estragou tudo, repetia aos prantos.
­A verdade é que o marido manipulara mal o zoom da câmera e simplesmente não conseguira capturar a foto do Sumo Pontífice, abençoando sua esposa. Diante do irreversível, não perdeu o élan. Apresentou a idéia salvadora:
– Ele vai voltar pela passarela. Não se preocupe que dessa vez não erro o alvo.
Terminada a cerimônia, um oficial da Guarda Suíça anunciou que, por razões de segurança, o Papa sairia por uma porta contígua ao altar. A solenidade terminou sem que o marido pudesse redimir-se do erro cometido. Mas a criatividade do brasileiro não tem limites:
– Fique tranqüila, querida. Quando chegarmos ao Brasil, capturarei a cabeça do Papa na internet e colo na foto. Faço uma montagem. Ninguém vai notar.
Embora destroçado pela falha técnica, manteve a fleuma até o fim da viagem e não tocou mais no assunto.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

FREVINHO IRREVERENTE

Ajoelhou,
Tem que rezar!
Agora é tarde
Não adianta reclamar!

Oh! que coisa boa...
Tudo é carnaval!
Você é a chapeuzinho
E eu sou o lobo mau!

domingo, 2 de agosto de 2009

HISTÓRIAS QUE COLHI NAS RUAS - EPISÓDIO I


O GOLPE DO BAÚ
GEORGE SARMENTO

Olavo era um solteirão convicto. Daqueles que farejam uma enrascada a quilômetros de distância. Ao longo da vida fugira de todas as armadilhas para resgatá-lo do cômodo celibato. As moças casadoiras até que insistiram. Mas ele se mostrava inflexível às tentações carnais e ao sonho de constituir família. Chegou aos 65 anos da maneira com que havia sonhado: uma excelente aposentadoria, saúde de ferro e sem as cotidianas preocupações domésticas.
Encontrávamos com certa frequencia no Hiper Bompreço. Quase sempre ele estava na cafeteria, discutindo alegremente com os seus companheiros de “senadinho”, vocábulo aqui usado para descrever os grupos de aposentados que se reúnem diariamente em lugares estratégicos – bancas de revistas ou shoppings centers – para relembrar o passado, falar da vida alheia ou comentar as notícias do dia.
Adorava cortejar vendedoras das lojas e lanchonetes, sem jamais se deixar seduzir pelos encantos femininos ou assumir compromisso mais duradouro. Diante da mais leve ameaça de romper com sua solteirice, já pulava fora sem dar maiores explicações. Em nossas conversas, e foram muitas, ele descrevia deliciosamente os estratagemas utilizados para se safar dos compromissos matrimoniais, velados ou escancarados.
Certo dia encontro o Olavo um pouco acabrunhado, como quem está prestes a tomar uma importante decisão. Ele palitava os dentes e tinha um olhar perdido. Seu café estava frio e intocado. Perguntei o que tinha ocorrido. Ele não se fez de rogado. Pigarreou, aproximou-se do meu rosto e sussurrou:
– Rapaz, estou apaixonado! Agora sim, encontrei o amor da minha vida. Valeu a pena esperar tanto tempo. Ela é linda: 25 anos, evangélica, extremamente recatada. Fidelíssima! Moça do interior... Não cansa de dizer que me ama, que viverá sempre ao meu lado. É benzinho para cá, amorzinho para lá... Você precisa ver!
Parabenizei-o calorosamente e desejei muitas felicidades para o casal. Ele prometeu que me enviaria o convite de casamento.
Meses depois encontro o Olavo, muito alegre e sorridente ao lado dos correligionários de senado. Abro os braços e pergunto:
– Cadê o convite? Esqueceu dos amigos ou não quer gastar dinheiro com a festança?
Ele me pegou pelo braço, levou-se a um canto e respondeu:
– Que casamento, George? Eu ia caindo numa esparrela. Saí a tempo. Seu eu não fosse arisco como um sibite estaria hoje nas mãos daquela vigarista.
– Mas você não tinha me dito que finalmente descobrira o verdadeiro amor? Que sua noiva era um poço de virtudes?
– Você não sabe o que aconteceu... Depois de várias semanas de felicidade, decidi ir à Taquarana conhecer a família da moça. Chegamos à casa de uma irmã, que me olhou com desdém, deixando bem claro o desprezo que sentia por mim. Conversamos um pouco na sala e a anfitriã fazia questão de me ignorar. Sob o pretexto de coar um café, a dona da casa chamou-a para conversar na cozinha. Meio desconfiado, levantei-me do sofá e, pé ante pé, encostei o ouvido na parede para escutar o que elas tramavam.
Olhou fixamente para mim, com os olhos injetados de sangue, a boca levemente trêmula de emoção:
- A megera perguntou à minha bela noivinha (senti um toque de ironia em sua voz) por que ela, tão bonita e jovem, havia arrumado um velho como eu, que mal se segurava em pé. Sabe o que ela respondeu? “você fez tudo certinho e hoje é uma pobretona. O que adiantou casar por amor? Eu sou mais esperta. Darei o golpe do baú. O coroa tem uma aposentadoria de 18 mil reais! Sabe o que é isso? Terei dois filhos com ele, depois lhe dou um belo chute na bunda e, ainda por cima, embolsarei uma gorda pensão alimentícia para o resto da vida!"
– E o que você fez após essa trágica descoberta?
– Nada. Dei meia volta, abri a porta sem fazer barulho e ganhei o mundo. Entrei no carro e parti sem olhar para trás. Nunca mais encontrei aquela dissimulada.
Ainda emocionado abraçou-me calororamente e disse:
– Depois dessa, quem falar em casamento na minha frente vira inimigo.
E voltou à sessão do "senadinho" mais solteiro do que nunca.

Foto: http://3.bp.blogspot.com/_ncSSGv4MaLQ/SP