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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

CORRUPÇÃO, DINHEIRO PÚBLICO E SIGILO BANCÁRIO




Karla Padilha é uma das promotoras de justiça mais aguerridas do Ministério Público de Alagoas. Corajosa e inteligente, tem travado uma verdadeira cruzada contra a corrupção e o crime organizado.

Tem mestrado em Direito Público e é professora universitária em diversas instituições do Estado. Além disso, profere conferências e é autora de artigos em importantes revistas jurídicas.

Tive a oportunidade de integrar a banca examinadora de sua dissertação de mestrado, que foi aprovada com distinção na secular Faculdade de Direito do Recife.

O texto foi publicado com o título Corrupção, Dinheiro Público e Sigilo Bancário. Fui honrado com o convite para prefaciar a obra, alegria que quero compartilhar com vocês. Eis os meus comentários:

PREFÁCIO

A sonegação fiscal e a corrupção têm sido as principais causas do empobrecimento dos países em desenvolvimento. Os recursos financeiros desviados inviabilizam a execução de políticas públicas e colocam em risco o funcionamento das instituições democráticas. O resultado é devastador: exclusão social, miséria, desemprego, fome, estagnação da economia e desrespeito aos direitos fundamentais.

As modernas tecnologias de comunicação e de telemática têm sido utilizadas pelo crime organizado para movimentar vultosas somas no sistema financeiro internacional. A rapidez e sofisticação com que essas transações são realizadas dificultam a persecução penal e garantem a impunidade de funcionários inescrupulosos, empresas de fachada e políticos corruptos. Grande parte do dinheiro sujo é depositado em paraísos fiscais, nas contas abertas por “laranjas” ou empresas offshore. O bloqueio das contas é difícil, pois depende da boa vontade dos bancos e de longas negociações diplomáticas até obter a repatriação.

No Brasil a situação não é diferente. A Administração Pública ainda convive com práticas como o nepotismo, clientelismo e tráfico de influência. O modelo patrimonialista favorece o uso privado dos recursos públicos com o objetivo de manter estruturas de poder profundamente encravadas na vida nacional. É nessa ambiência que se desenvolve o crime organizado com suas redes de corrupção, lavagem de dinheiro, jogos de azar e tráfico de entorpecentes. O dinheiro sujo enriquece empresários, financia campanhas eleitorais e suborna funcionários.

Na maioria das vezes as investigações de escândalos financeiros esbarram no discurso da violação sistemática de garantias constitucionais como a presunção de inocência, a ampla defesa e o contraditório. Os direitos fundamentais são utilizados como verdadeiros escudos para garantir a impunidade e perpetuar a pilhagem do erário. Uma das grandes falácias dessa retórica é a afirmação de que o sigilo bancário é um direito fundamental absoluto, indissociável da proteção à vida privada e à intimidade.

A desconstrução dessa tese é um dos principais objetivos de Corrupção, Dinheiro Público e Sigilo Bancário, livro de estréia de Karla Padilha. A autora parte da premissa de que o sigilo bancário não pode ser considerado direito fundamental, mas mera relação contratual entre a instituição financeira e seu cliente, o que implica dever de confidencialidade e discrição.

Baseada em sólidos argumentos e densa fundamentação teórica, vai mais além e defende posições polêmicas, muitas das quais conflitantes com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Exemplo disso é a tese de que a quebra do sigilo bancário não estaria condicionada à reserva de jurisdição. Para ela, o acesso aos dados referentes a movimentações financeiras independe de autorização judicial, podendo ser entregues diretamente ao Ministério Público, às autoridades fazendárias ou policiais.

Considera inadmissível que o sigilo bancário prevaleça sobre os interesses primários da coletividade. Tampouco que possa suplantar o dever de transparência e impessoalidade no uso do dinheiro público. As empresas beneficiárias de financiamentos estatais não teriam sequer direito ao sigilo. Por outro lado, o funcionário não poderia invocá-lo para esquivar-se de prestar contas de sua situação financeira, sobretudo quando existirem sinais externos de riqueza.

Sustenta que a transferência de dados bancários não pode ser indiscriminada, mas sujeita a procedimentos legitimadores da ação estatal. As autoridades judiciais e administrativas têm o dever de preservar as provas, evitando que a publicidade indevida possa submeter o réu à execração pública ou à condenação antecipada. Por isso, a Autora sustenta que o vazamento de informações sigilosas implicaria, ao mesmo tempo, sanções cíveis, penais e administrativas aos responsáveis.

Uma leitura superficial da obra pode passar a idéia de relativização dos direitos de personalidade na questão do sigilo bancário. Mas essa é uma impressão falsa que se esvai com a leitura do texto. O que se busca é encontrar mecanismos eficientes para combater a evasão fiscal, a malversação dos recursos públicos, a lavagem de dinheiro e a improbidade administrativa. É nesse momento que a vida privada deve dar ceder espaço aos interesses maiores da coletividade, sobretudo a fruição dos direitos sociais previstos na Constituição Federal. A preservação de dados não pode ser um entrave ao combate à criminalidade. Desde que haja indícios fortes da conduta delituosa, o Estado deve agir com rapidez em sua missão investigatória.

O sigilo bancário existe para proteger cidadãos honestos da curiosidade alheia mediante cláusula de confidencialidade estipulada com a instituição bancária. Presume-se que os recursos depositados foram auferidos honestamente e que o correntista quer se manter longe dos olhares indiscretos. Assim, a divulgação da movimentação financeira constituiria não apenas quebra de cláusula contratual, mas também ingerência na esfera de intimidade do correntista. A situação é diferente quando há indicativos de enriquecimento ilícito, sobretudo suspeitas de desvio de verbas do erário. Nesses casos, a tutela do patrimônio público justifica medidas constritivas de transferência de dados bancários para o Ministério Público e outras instituições legitimadas.

Acompanho com muito interesse a trajetória profissional e acadêmica de Karla Padilha. É uma das promotoras de justiça mais brilhantes do Ministério Público de Alagoas. Tem se destacado por sua seriedade profissional e pelo combate intransigente à corrupção. Esteve à frente dos processos rumorosos, atuando sempre com destemor e determinação. Como integrante do GECOC – Grupo Estadual de Combate à Organizações Criminosas –, foi responsável pela investigação de diversos esquemas de desvios de recursos públicos, fazendo uso de avançados métodos de inteligência e segurança pública.

Adquiriu o respeito de seus colegas pela imensa capacidade de trabalho, disciplina e persistência na busca de resultados concretos na persecução penal. Karla é daquelas pessoas que não se importam de passar horas a fio estudando intricados escândalos financeiros ou elaborando complexas petições. Está sempre disponível para ajudar os promotores de justiça que a procuram em busca de orientações precisas sobre técnicas de investigação.

Apaixonada pela vida acadêmica, é professora universitária e tem se dedicado ao ensino das ciências criminais, com enfoque nos delitos contra o patrimônio público. Também é conferencista e autora de importantes artigos jurídicos.

Ao lado dos professores Raymundo Juliano Feitosa e Anamaria Campos Torres, tive a oportunidade de integrar a banca examinadora de sua dissertação de Mestrado, defendida na tradicional Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Sou testemunha da bravura com que defendeu suas idéias e da clareza com que expôs os seus pontos de vista. Encantou a todos com a seu discurso preciso, seu perfeito domínio da língua portuguesa e sua sólida formação teórica. Por unanimidade, recebeu nota máxima com “distinção”, menção destinada apenas às dissertações de reconhecida excelência acadêmica.

O texto foi reformulado, atualizado e reescrito sob o provocativo título Corrupção, Dinheiro Público e Sigilo Bancário. Como um Danton pós-moderno, resolve ousar, romper os grilhões do conservadorismo doutrinário e lançar novas luzes sobre a questão. Adota uma postura iconoclasta com o objetivo de demonstrar que as liberdades públicas não devem ser usadas em benefício de criminosos de “colarinho branco”, que usam as prerrogativas constitucionais apenas para se manter em estado de impunidade. O leitor pode até não concordar com suas idéias, mas seguramente sairá seduzido por seus argumentos e teses.

O lançamento de Corrupção, Dinheiro Público e Sigilo Bancário preenche uma importante lacuna na doutrina brasileira – carente de obras especializadas no combate à improbidade administrativa e aos crimes financeiros. Será de grande importância para todos os operadores do direito que se consagram à proteção do patrimônio público, ao uso racional do erário e, sobretudo, à construção de modelo administrativo eficiente, probo e voltado para o bem-comum.