George Sarmento
É uma prática recente na tradição latino-americana. Consequência da queda das ditaduras militares no final da década de 1970 e do processo de redemocratização dos países da América do Sul e Caribe. Teve como grande inspirador o sociólogo e educador brasileiro Paulo Freire, criador da Pedagogia do Oprimido.
A sua origem está ligada ao trabalho desenvolvido por organizações não-governamentais interessadas em conscientizar as camadas populares sobre a importância das liberdades fundamentais proclamadas nos tratados internacionais. Durante os regimes ditatoriais, as entidades concentravam seus esforços na denuncia das violações aos direitos humanos – assassinatos, desaparecimentos, despejos forçados, tortura. Com o processo de democratização, passaram a investir em educação nas comunidades periféricas.
Na década de 1980, muitas das ações foram apoiadas e financiadas pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), que – nos anos que se seguiram – exerceu grande protagonismo no sentido de incorporar o conteúdo de direitos humanos à educação formal e não formal. Atualmente, a Educação em Direitos Humanos tem a missão de atingir quatro objetivos básicos: (1) a construção do sujeito de direitos; (2) promoção do processo de empoderamento; (3) memória: “educar para o nunca mais” e (4) socialização dos valores e princípios constitucionais.
No Brasil, a Educação em Direitos Humanos só começou a ser debatida seriamente em 2003, quando o Governo Federal criou o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (Decreto Ministerial n. 98/2003), formado por especialistas, membros da sociedade civil, representantes de instituições públicas e privadas, além de organismos internacionais, cujo desafio era apresentar a primeira versão do Plano Nacional de Educação e Direitos Humanos (PNEDH). O documento foi exaustivamente debatido em processo de consulta por cerca de cinco mil pessoas, de todos os Estados do país. A versão final só foi concluída em 2006, após consulta pública via internet.
A temática não interessou aos cursos de pós-graduação em Direito, que a consideravam domínio dos institutos de pedagogia e educação, portanto estranha às ciências jurídicas. Georgina Bonfim rompeu com esse preconceito ao apresentar ao PPGD da Universidade Federal de Alagoas projeto de pesquisa que enfocava a questão da efetividade das políticas públicas de Educação em Direitos Humanos no Brasil, tendo como marco teórico o pensamento do jurista alemão Peter Häberle.
Ao ingressar no Mestrado em Direito, a autora já tinha vasta experiência como pesquisadora. Sob minha orientação, participou do Laboratório de Direitos Humanos/UFAL em projeto de iniciação científica em que obteve a honrosa menção “excelência acadêmica” pela banca examinadora composta de professores internos e externos. Ainda nos bancos da graduação, adquiriu grande traquejo em elaboração de textos científicos e exposições orais, competências que lhe foram muito úteis em seu percurso na pós-graduação.
Durante dois anos, debruçou-se sobre a teoria da “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”, desenvolvida por Peter Häberle, para demonstrar que o processo de democratização hermenêutica dos direitos humanos é um desafio que se impõe à sociedade brasileira como forma de reforçar seu compromisso com a cidadania, a justiça social e a democracia.
A autora sustenta que a democratização da interpretação constitucional deixa de ser um monopólio do judiciário para englobar todos os setores da sociedade brasileira. Além disso, esse processo deve incluir obrigatoriamente o “educar para os direitos humanos”, o que exige políticas públicas consistentes e voltadas para a efetivação das liberdades fundamentais e dos direitos sociais. Como fenômeno cultural, a Constituição tem um importante papel pedagógico na medida em que serve de instrumento de identidade nacional e de fortalecimento da cidadania.
Sob essa perspectiva, os direitos humanos passam a ser considerados fins educativos do Estado, o que permite a ampla participação popular no controle das ações governamentais, incluindo as políticas públicas setoriais e a tutela das prerrogativas e garantias constitucionais.
O resultado das reflexões desenvolvidas por Georgina Bonfim integra a sua obra de estreia, “Análise da política pública de Educação em Direitos Humanos à luz da teoria da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuições e desafios”, lançada pela renomada editora Lumen Juris. O texto é original, objetivo e crítico, trazendo diversos aspectos do tema, entre os quais uma análise consistente da normatização e implementação da EDH no Brasil.
Trata-se de obra sem precedente na literatura jurídica brasileira, posto que o tema central jamais havia sido objeto de investigações sócio jurídicas. Além de suprir a lacuna na literatura, ela apresenta um panorama completo do atual estágio de efetividade da Educação em Direitos Humanos, trazendo dados estatísticos, experiências exitosas, mapeamento dos Planos e Comitês EDH em funcionamento, assim como os resultados alcançados pelas políticas públicas em nível nacional, estadual e municipal.
Embora tenha dimensão predominantemente jurídica, o texto pode ser lido facilmente por todos os estudantes e profissionais das ciências sociais, assim como pelos cidadãos interessados na expansão da cultura dos direitos humanos no Brasil. Não há dúvidas de que o livro dará muitos elementos para os educadores populares e professores de todos os níveis de ensino interessados em incluir a temática nos currículos escolares.
Concordo com Hannah Arendt quando afirma que a “essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos”. Fazer com que todos saibam claramente de suas prerrogativas constitucionais e que possam ter acesso aos mecanismos necessários para combater o arbítrio, a intolerância, o preconceito e a violência institucional é, sem dúvida, a principal missão da EDH nos países periféricos. A leitura atenta do livro Georgina Bonfim é obrigatória para todos que acreditam que a educação do povo é o caminho mais curto para as grandes transformações sociais e a construção de um país em que as liberdades e a justiça social sejam asseguradas a cada cidadão.


