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quinta-feira, 16 de abril de 2009

EMBRIAGAR-SE DE VIDA


GEORGE SARMENTO
Em crônica publicada neste blog, Coaracy Fonseca nos brindou com uma deliciosa reflexão sobre a arte de reunir amigos em torno de uma biritinha. Hábito simples, tão apreciado pelos brasileiros. Não há dúvida: sob os efeitos do álcool, somos mais espontâneos, relaxados e autênticos. Os mais afoitos confessam os amores malogrados, as paixões secretas e os desejos enrustidos. Perdem o medo do ridículo e não estão nem aí para a galhofa dos outros. Alguns ficam valentes, outros tristes, até mesmo apáticos. Há os tarados e falastrões. Sem falar daqueles que não bebem nada, acompanham tudo e saem contando as besteiras que fizemos no dia anterior só para nos matar de vergonha.

Mas o importante mesmo é embriagar-se de vida. Não importa o vício. O fundamental é estarmos profunda e irremediavelmente apaixonados pelo que fazemos, pelas pessoas que nos cercam, pelos caminhos que trilhamos. Como é triste conversar com os pessimistas! A sua amargura enodoa a alma, mina as forças vitais e pode nos afundar na mais abissal depressão. Já os otimistas são verdadeiramente inspiradores: enchem nossa vida de alegria, música, poesia e amor. As chamas de sua personalidade nos fazem perseguir os sonhos e lutar pelo impossível, certos de que sairemos vitoriosos de todas as batalhas. Não é à toa que o vocábulo entusiasmo significa "Deus dentro de nós".

Vocês já notaram que a maioria das pessoas despreza o presente? Algumas vivem no passado, remoendo culpas. Outras no futuro, sempre à espera de algo que possa torná-las felizes. Eis o paradoxo: ou estão mergulhadas nas trevas do remorso, ou nas atemorizantes teias da angustia. E tome Lexotan para suportar tanta pressão. Se pensarmos bem, o presente é tudo que temos. É a realidade crua, concreta e inexorável. E temos de enfrentá-la apaixonadamente, sugando com avidez a seiva da vida sem nos importar com os riscos dessa maravilhosa aventura no Planeta Terra.

O passado é o bom conselheiro que nos ensina a arte de aprender com os próprios erros. O futuro é o imponderável, um enigma que pode nos reservar muitas surpresas. Para que nos preocuparmos com eles? Coragem! Shakespeare dizia que não é digno de beber o mel aquele que se afasta da colméia temendo as picadelas das abelhas. No século XIX, o poeta francês Charles Baudelaire - o pai do simbolismo - expressou essa verdade ao escrever o famoso poema Embriague-se. O autor de Les Fleurs du Mal sabia que a vida é uma dádiva que só pode ser usufruída pelos ébrios contumazes. Eternos embriagados, não só de álcool, mas, sobretudo, pela insaciável paixão por tudo que faz pulsar de emoção e nos arrebata do torpor da entediante rotina. Se você for avesso a um pilequinho, não tem problema. Tome um porre de alegria, otimismo e entusiasmo. Sua vida ganhará um novo colorido. Não custa nada tentar.

Em tempo: Remexendo em meus alfarrábios encontrei uma antiga e despretenciosa tradução que fiz do poema Embriague-se como tarefa escolar na Aliança Francesa. Espero que gostem.

Forte Abraço!

George Sarmento

EMBRIAGUE-SE

Charles Baudelaire
Tradução: George Sarmento

É preciso estar sempre embriagado.
Isto é tudo.
É a única questão.
Para não sentir
O pesado fardo do tempo
Que te verga os ombros
E pende o teu corpo sobre a terra.
É preciso embriagar-se sem trégua.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, à sua escolha.
Mas embriague-se.
E se, de vez em quando,
Nos degraus de um palácio,
Na relva verde da estrada,
Na solidão morna de seu quarto,
Você se acordar
E a embriaguês tiver diminuído ou desaparecido,
Pergunte ao vento,
À onda,
Ao passarinho,
Ao relógio,
A tudo o que foge,
A tudo que geme,
A tudo que rola,
A tudo que canta,
A tudo que fala,
Pergunte que horas são.
E o vento,
A onda,
A estrela,
O pássaro,
O relógio
Te responderão:
É hora de se embriagar!
Para não ser escravo martirizado do tempo,
Embriague-se.
Embriague-se sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude, à sua escolha.