GEORGE SARMENTO
Sexta-feira, 5 de junho de 2009. Alagoas prepara-se para comemorar o Dia do Meio Ambiente. Os principais jornais estampam imagens do governador e do prefeito de Maceió fazendo exatamente a mesma coisa: plantando mudas de árvores sob a mira de fotógrafos e câmeras de televisão. A falta de criatividade traz consigo o entediante sentimento de déjà vu.
Em tempos de indiferença e alienação política, plantar uma árvore é um feito tão revolucionário quanto a derrubada da Bastilha ou a tomada da Sierra Maestra. Se você quiser ser politicamente correto, já sabe o que fazer: passe no IBAMA, pegue uma mudinha, chame um bando de fotógrafos, cave um buraquinho no chão com ar solene e contrito. Coloque-a na vala e, com as mãos nuas, tape tudo. Pronto! Seguramente você vai ocupar um generoso espaço nos meios de comunicação local. Com sorte poderá até mesmo ser comparado a Chico Mendes, Burle Marx ou Lutzemberg, verdadeiros ícones do ecologismo brasileiro.
O movimento ambientalista passa por uma crise sem precedentes. As vozes mais respeitadas são ignoradas ou abafadas pela mídia. Os militantes mais aguerridos são estigmatizados como ecochatos, jurássicos ou bichos-grilo. Tudo fazem para desacreditar aqueles que lutam brava e intransigentemente para que as leis ambientais sejam respeitadas no país. Por outro lado, ONGs controladas por espertalhões e carreiristas recebem generosos recursos públicos para fazer de conta que estão ajudando a construir um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso sem falar nos partidos políticos que faturam alto com a retórica ecológica.
No início da década de 90, fui nomeado para o Núcleo de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público. Trabalhar com direito ambiental era algo exótico e completamente estranho aos embates jurídicos. Ao lado dos promotores de justiça Uayrandir Tenório e Sandra Malta, protagonizei a primeira grande ação ambiental de Alagoas. Recebi a denúncia do então presidente do Sindicato dos Químicos de Alagoas, Tácito Yuri, de que operários da ALCLOR tinham ingerido água retirada dos poços da empresa e, horas depois, foram internados com fortes dores e sintomas de intoxicação. Imediatamente iniciamos as investigações e descobrimos que um dos tanques que armazenava resíduos líquidos de organoclorados rompera-se, causando grande poluição no lençol freático do tabuleiro de Marechal Deodoro, podendo atingir a nascente do rio dos remédios e, conseqüentemente, a Lagoa Mundaú. Bastou uma breve análise laboratorial para que soubéssemos que o produto era cancerígeno e poderia ser letal em um simples copo d’água ou em um delicioso prato de sururu.
A população entrou em pânico e, por um bom tempo, deixou de consumir os frutos da lagoa. Agimos com rigor. Todas as denúncias foram apuradas. Enfrentamos seguranças armados quando decidimos entrar à força no local do crime ambiental. Em outra ocasião, quase fui às vias de fato com o presidente da empresa quando tentou desrespeitar a promotora Sandra Prata que tomava o seu depoimento no inquérito civil. Resistimos bravamente às fortíssimas ingerências políticas para nos retirar das investigações. Fomos até o fim e apresentamos os culpados à justiça. A empresa foi obrigada a fechar as suas portas e recebeu uma pesada condenação: cerca de 3 milhões de dólares para despoluir o lençol freático com o usando tecnologia de última geração.
O Caso ALCLOR foi um marco para a luta ambiental em Alagoas. A partir dele a sociedade civil sentiu-se encorajada a denunciar as grandes empresas que, até então, tinham salvo conduto para poluir. Nosso pequeno grupo também atuou em casos de desmatamento, loteamentos clandestinos, queimadas, poluição dos rios e privatização de áreas públicas. Rompemos com a concepção elitista de que a pobreza produz poluição e demonstramos que ela é produto do descaso dos governos com a execução de políticas públicas em áreas vitais como saneamento, habitação e ocupação do solo urbano.
Passados quase 20 anos vejo que pouca coisa mudou. Os problemas crônicos ficaram mais crônicos, sem qualquer perspectiva de solução. Vejam por exemplo o riacho Salgadinho. Um esgoto a céu aberto que corta a cidade de Maceió, passa na porta do Ministério Público e deságua em uma de suas principais praias, deixando atrás de si uma fedentina insuportável. A língua negra tem afugentado turistas e causado grandes prejuízos ao turismo local. Milhares de reais do Governo Federal foram desviados sem que ninguém fosse punido. Não custa nada lembrar o apoteótico banho da prefeita Kátia Born na foz do riacho, numa eloquente demonstração de desrespeito pela opinião pública.
E há outros casos paradigmáticos, como as fraudes na execução da macrodrenagem do Tabuleiro do Martins, o lixão de Maceió, a urbanização da orla lagunar. Agora mesmo os moradores da região norte estão em polvorosa com as licenças concedidas pela Prefeitura de Maceió para a construção de espigões de trinta andares à beira-mar, numa área desprovida de saneamento e urbanização. Além de pagar o IPTU mais caro da cidade, os habitantes são vítimas do total abandono por uma razão muito simples: ousaram contestar a decisão do prefeito de instalar um aterro sanitário a 300 metros da praia! Uma heresia imperdoável.
Os criminosos ambientais agem impunemente em Alagoas. Existe um verdadeiro manto de proteção estatal aos grandes empresários. Há 4 anos, o promotor Maurício Pitta denunciou criminalmente um poderoso usineiro por crime de desmatamento de considerável área da mata atlântica. O réu não foi sequer citado por não ser jamais encontrado em seu domicílio, embora seja visto diariamente circulando, lépido e fagueiro, nos restaurantes mais badalados da cidade sem ser importunado pelos diligentes oficiais de justiça.
O dia do meio ambiente foi marcado por dois episódios bem ilustrativos do péssimo nível do debate ecológico que se trava em nosso país. No plano político, empresários e ruralistas se uniram para pedir a cabeça do ministro Carlos Minc, acusado de atravancar o desenvolvimento brasileiro ao exigir o cumprimento da lei. Os detratores entendem que ele deveria fechar os olhos para a grilagem de terras públicas - talvez ocupar o seu tempo plantando mudinhas por aí. O outro foi a bizarra campanha da SOS Mata Atlântica para economizar a água doce do planeta: fazer xixi durante banho de chuveiro. Abolir a descarga seria a fórmula mágica para acabar com o problema da escassez. Falta inventar mais alguma coisa?
Comemorar o dia do meio ambiente significa romper com as soluções simplistas de nossos governantes e começar a enfrentar os grandes problemas que afetam a qualidade de vida da população. Ao invés de plantar uma mudinha ou sair com um saquinho plástico limpando a praia, devemos exercer corajosamente a cidadania sem nos deixar enganar pela propaganda oficial que procura reduzir a questão ecológica a atitudes simbólicas com o claro objetivo de encobrir o monstro da poluição que emerge do setor industrial. Que tal aproveitar a ocasião para denunciar a omissão do poder público?
Comemorar o dia do meio ambiente significa romper com as soluções simplistas de nossos governantes e começar a enfrentar os grandes problemas que afetam a qualidade de vida da população. Ao invés de plantar uma mudinha ou sair com um saquinho plástico limpando a praia, devemos exercer corajosamente a cidadania sem nos deixar enganar pela propaganda oficial que procura reduzir a questão ecológica a atitudes simbólicas com o claro objetivo de encobrir o monstro da poluição que emerge do setor industrial. Que tal aproveitar a ocasião para denunciar a omissão do poder público?