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sábado, 21 de fevereiro de 2009

O PREÇO DA INDEPENDÊNCIA

Sou promotor de justiça há 24 anos. A consciência tranqüila e a certeza do dever cumprido são o meu patrimônio moral. Ando de cabeça erguida, sem medo ou vergonha de qualquer ato praticado no exercício de minhas funções. Sempre agi com serenidade e firmeza. Nunca persegui, transigi, beneficiei, troquei favores ou me quedei a interesses inconfessáveis de quem quer que seja.

O respeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana têm sido a minha bússola. Jamais coloquei o cargo a serviço de grupos políticos, chantagem ou favorecimentos pessoais. Acredito nos valores republicanos e no respeito à constituição do país. Por isso não posso aceitar práticas fascistas tão comuns nos fétidos porões do aparato estatal, sobretudo a arapongagem e a ingerência na vida privada dos cidadãos.

Decidi pagar o preço de minha independência. Já fui alvo de perseguições, canalhices, traições. Tive vitórias e amarguei derrotas. Mas nunca me senti coitadinho ou vítima das circunstâncias. Aprendi logo cedo, ainda nos bancos da faculdade, que direito é luta. Luta do bem contra o mal. Da virtude contra a corrupção. Da inteligência contra a mediocridade. A arma do jurista é a palavra, escrita ou falada. A história nos mostra que os discursos são muito mais poderosos que os canhões. Que a verdade sempre prevalece sobre a mentira. Infelizes daqueles que se iludem com a efemeridade do poder...

Sou um cidadão educado, afável, de bom trato. Diariamente recebo advogados e clientes que querem discutir detalhes de seus processos. Ouço-os com paciência e respeito. Mas não abro mão de minhas atribuições nem admito ingerências externas no meu trabalho. É inútil insistir. Não temo ameaças nem recebo recados indecorosos. Minhas manifestações nos autos são produto de intensa reflexão, equilíbrio e justiça. Expressam minhas mais sinceras convicções e crenças.

O Brasil vive uma crise de autoridade sem precedentes. Os constantes escândalos envolvendo parlamentares, governantes e funcionários do alto escalão têm minado a confiança da população nas instituições democráticas. Nessa confusão, o Ministério Público emerge como o verdadeiro defensor do povo.

É preciso que os seus membros sejam dignos da estatura do cargo, que sejam independentes e destemidos. A vaidade, prepotência e o autoritarismo de alguns são atitudes que conspiram contra os interesses maiores da sociedade. Não podemos esquecer que democracia é, antes de mais nada, o compromisso inquebrantável com a ordem constitucional e não vassalagem aos poderosos.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

TATURANAS? TÔ FORA!

Amigos,

O artigo do promotor de justiça Maurício Pitta foi publicado ontem na Gazeta de Alagoas. Vale a pena conferir.

Maurício Pitta*

O que me chama a atenção neste episódio das “taturanas” não é tão somente o volume de dinheiro envolvido, mas também a mediocridade absoluta nas condutas cívica, moral e cultural!

Afirmo isto porque sempre me pergunto como alguém a quem o destino proporcinou a oportunidade de construir, fazer o bem... A quem o destino concedeu a chance de poder ajudar a centenas, milhares de pessoas paupérrimas e sem futuro (pessoas que encontram todos os dias de suas vidas nas ruas, favelas, parques e sinais de trânsito do nosso Estado), se dedicaram a um dos mais abjetos atos humanos: a traição aos que neles confiaram!

Tivessem se preocupado em ler mais, se instruir mais, saberiam que existe uma diferença fundamental entre a desprezível prática “taturana” e o que definiu o filósofo britânico John Locke em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo: “A primeira lei natural básica que deve nortear até o próprio poder legislativo consiste na preservação da sociedade e, até onde seja compatível com o bem público, de todos os seus membros”.

Desconhecer esta regra básica inerente aos homens e mulheres de bem (e não precisa ler John Locke para saber disto) significa não ter compromisso com a dignidade e a retidão de caráter exigíveis para qualquer agente público.

Não somos uma sociedade feudal onde pseudos barões, que se acreditavam poderosos e inatingíveis, imaginaram poder manipular e se apropriar do dinheiro público (nosso dinheiro) apenas para satisfazer interesses próprios e dos seus.

No entanto, precisamos aprender a reagir a tais comportamentos da mesma forma como reagimos ao assaltante comum que invade o nosso lar! Você cumprimentaria respeitosamente e sorridente ao delinquente que invadiu sua casa ou lhe assaltou na rua ou no trânsito, quando o encontrasse no shopping center ou em algum restaurante?

Creio que não. Mas tenho presenciado a forma respeitosa e até atenciosa, para não dizer graciosa com que vejo pessoas recepcionarem agentes políticos acusados de crimes os mais repugnantes, comprovados por documentos e escutas autorizadas judicialmente E olha que não são acusações vis, mas...

Eu mesmo sou testemunha de tal fato, pois certa feita estava no iguatemi com alguns colegas e amigos quando uma determinada figura destas, ex prefeito acusado por ter desviado dinheiro do leite para crianças pobres do município onde era responsável, dirigiu-se à mesa em que nos encontrávamos e teve uma calorosa recepção como se fosse um homem de bem!

Não me dirigi a tal figura e me retirei da mesa até que fosse embora, mas fiquei entre surpreso e triste por constatar que em nossa “província” o provincianismo ainda impera em seus mais nefastos aspectos. Não somos pobres apenas de meios materiais, mas também pobres de consciência social e isto tem de mudar se queremos uma sociedade mais justa para os nossos filhos.

Ou você convidaria o assaltante que levou o celular de sua filha para um bate papo animado no cafezinho?

* Membro do Ministério Público e Professor da UFAL