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domingo, 22 de dezembro de 2013

O MEU PAPAI NOEL

George Sarmento

Fui uma criança que acreditou ardentemente em Papai Noel. A crença em sua existência foi o meu primeiro dogma. O velhinho risonho, de bochechas coradas, barbas alvas e longas, era pura bondade. Fascinava-me o seu jeito democrático de visitar os lares e realizar os sonhos dos pequeninos de todos os continentes. Por onde passava distribuía alegria, confortava os enfermos, reacendia a esperança nos corações.
Ele também era puro mistério. Entrava e saia das casas de forma espetacular, surpreendente. Rápido e astuto, ninguém conseguia vê-lo ou detê-lo. Eu esperava ansiosamente sua visita até ser vencido pelo sono. Ao acordar corria para a árvore de natal. Olhava extasiado os pacotes coloridos em busca dos presentes que me cabiam: carrinhos, bolas de gude, espadas de plástico, máscaras de super-heróis. Certo dia meu pai irrompeu no quarto e, ofegante, afirmou ter surpreendido o bom velhinho, mas ele tinha escapado. Guardava em suas mãos o chumaço da barba branca e uma grande caixa lindamente embrulhada. Era a prova definitiva de sua presença em nossa casa.
Meu coração de criança ainda não tinha sido apresentado às misérias do mundo. Sequer suspeitava das injustiças sociais, da pobreza, da forme, da inveja e do ódio. Nesse natal ganhei de presente uma bola de couro. Dormi abraçado a ela sonhando com a pelada do "campinho do cajá", que reunia os garotos das redondezas. Seria uma novidade, já que usávamos sempre uma de plástico - a conhecida bola dente de leite. Não sei como, mas alguém furou a couraça por pura maldade. Protestei dizendo que havia sido um presente de Papai Noel. Alguns desdenharam de minhas certezas até então inquebrantáveis. Juravam que ele não existia, que era pura invenção dos adultos.
Foi assim que descobri a verdade. Saber que se tratava de invenção decepcionou-me mais que a covardia de que fora vítima. Ele era meu amigo fiel, ouvia meus desejos, lembrava-se de mim todos os anos. A constatação de que tudo era irreal foi decepcionante. Talvez esse tenha sido o fim de minha infância e a preparação para a difícil adolescência. Eu cursava o primário numa escola pública frequentada por crianças de todas as classes sociais. Até então não tinha percebido as contradições de uma sociedade injusta, marcada pela violência e pela péssima distribuição de renda. E esse foi o começo do longo aprendizado em torno dos valores éticos que plasmariam meu caráter.
O tempo passou e ainda hoje o personagem Papai Noel me fascina. Não pelas roupas vermelhas ou pelo trenó puxado por renas que corta as noites de natal. Tampouco pelos elfos mágicos que o cercam. Mas pelos bons sentimentos que ele evoca por onde passa. Sobretudo por prolongar a pureza da infância,  por tornar bela a espera, por  fazer brilhar os olhinhos inocentes diante da realização de um sonho doce e efêmero.
Hoje sei que o Papai Noel vive dentro de mim. É o arquétipo de generosidade, indulgência e acolhimento. É a utopia que pulsa e me impele a ser uma pessoa melhor, mais comprometida com o progresso moral e os ensinamentos cristãos. No natal procuro resgatar a criança que um dia fui e me presenteio com algo que me faça feliz. É a autocompensação por mais um ano vivido. Por não ter sucumbido ao desânimo, à indiferença e à acomodação. Mas também gosto de ficar sozinho e pensar em todas as pessoas queridas, vivas e mortas, que foram imprescindíveis para que eu trilhasse até aqui os sinuosos caminhos da vida. Tudo para lhes agradecer as ações edificantes ou pedir-lhes perdão pelos sofrimentos que, consciente ou inconscientemente, causei dada a imperfeição de minha humanidade.