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terça-feira, 4 de agosto de 2009

HISTÓRIAS QUE COLHI NAS RUAS - EPISÓDIO II


O HOMEM QUE CORTOU A CABEÇA DO PAPA

GEORGESARMENTO

Quem vai a Roma quer ver o Papa. Maria Laura queria mais. Muito mais. Não se satisfaria em contemplar o Sumo Pontífice como uma simples anônima, perdida entre os peregrinos que lotavam a Praça São Pedro sob o sol a pino daquela manhã de verão. Pretendia vê-lo de perto, se possível tocar-lhe a túnica.
Estava envolvida nesses pensamentos, quando se depara com uma freirinha de hábitos simples e olhar suave. Conversa vai, conversa vem, descobre que a religiosa trabalhava no Vaticano e gozava certo prestígio junto ao cerimonial. Confessou-lhe ardentemente o desejo de estar perto de Bento XVI, de receber a sua santa benção.
A freirinha comoveu-se. Raramente vira tamanha determinação, tamanho ardor católico. Piscou os olhos e pediu-lhe que esperasse um pouco. Iria interceder por ela. A passos lentos, entrou em uma das dependências do Vaticano, voltando momentos depois com dois convites para a cerimônia de ordenação de bispos de várias nacionalidades, que aconteceria em poucas horas.
Guardou os ingressos como quem protege um bilhete premiado da megasena. Já se imaginava no Brasil contando a proeza para suas amigas. Voltou ao hotel, recarregou a bateria da máquina fotográfica, apagou da memória todas as fotos turísticas, escolheu a roupa que iria usar na ocasião e deitou-se um pouco para relaxar. Nada podia falhar.
Foi uma das primeiras a chegar e conseguiu um lugar privilegiado: a passarela coberta por um luxuoso tapete vermelho. Não havia dúvidas: o Papa passaria por ali antes da pregação. Na hora prevista, Bento XVI aparece seguido por um séquito de cardeais. Ela entrega a câmera ao marido e lhe pede que não economize fotos. Quanto mais, melhor – enfatizou.
Sob os aplausos dos fiéis, o Papa cruzou a passarela, portando uma vistosa batina branca, láctea, engomadíssima. Estacou diante de Maria Laura, olhou para ela e fez o sinal da cruz. Contrita, ela olhou para câmera enquanto marido tirava várias fotos. Bento XVI dirigiu-se o palanque, onde o aguardava uma imponente poltrona e as páginas do sermão que seria lido em poucos instantes.
Sem conter a curiosidade, Maria Laura pede para conferir as fotos. Olha a câmera e fica lívida. Esboça uma expressão de espanto e de decepção. De fato ela saíra nas fotos. Mas onde deveria estar a imagem de Sua Santidade, o que se via era um fundo branco e as mãos alvíssimas do Pontífice. Nada mais.
– E o Papa, aonde você enfiou o Papa? Perguntava colérica, ainda sem acreditar no que aconteceu.
– Está aí, atrás de você... Balbuciou o marido, sem saber bem o que tinha acontecido.
­– Veja com os seus próprios olhos. Apenas um pano branco. Eu quero ver o Papa, me mostra o Papa!
– É mesmo...
– Você decepou a cabeça do Papa!
–Estragou tudo! Estragou tudo, repetia aos prantos.
­A verdade é que o marido manipulara mal o zoom da câmera e simplesmente não conseguira capturar a foto do Sumo Pontífice, abençoando sua esposa. Diante do irreversível, não perdeu o élan. Apresentou a idéia salvadora:
– Ele vai voltar pela passarela. Não se preocupe que dessa vez não erro o alvo.
Terminada a cerimônia, um oficial da Guarda Suíça anunciou que, por razões de segurança, o Papa sairia por uma porta contígua ao altar. A solenidade terminou sem que o marido pudesse redimir-se do erro cometido. Mas a criatividade do brasileiro não tem limites:
– Fique tranqüila, querida. Quando chegarmos ao Brasil, capturarei a cabeça do Papa na internet e colo na foto. Faço uma montagem. Ninguém vai notar.
Embora destroçado pela falha técnica, manteve a fleuma até o fim da viagem e não tocou mais no assunto.

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