terça-feira, 16 de setembro de 2025

COMO SE FAZ UM RESUMO

 

George Sarmento

No mundo contemporâneo, as informações circulam numa velocidade estonteante. O ritmo de vida do homem moderno não permite a perda de tempo com tormentosas elucubrações ou excesso de erudição. A produção de textos sintéticos, claros e objetivos tornou-se um dos maiores desafios da comunicação de massa. Cada vez mais estudantes, professores, jornalistas, executivos e profissionais liberais recorrem aos resumos como estratégia de aquisição e fixação de conhecimentos. Resumir com eficiência tornou-se um imperativo dos novos tempos. É uma atividade que exige perfeita compreensão das ideias, capacidade de síntese, domínio da língua portuguesa, e, sobretudo, profundos conhecimentos metodológicos.   

 

Embora o resumo seja considerado um poderoso instrumento pedagógico, sua técnica tem sido negligenciada nas escolas e universidades brasileiras. A maioria dos professores desconhece as regras básicas de composição de um resumo eficaz. Muitos tateiam no escuro sem saber exatamente do que se trata. Terminam confundindo  resumo com cópia ou colagem, numa macaqueação desajeitada, superficial e tosca. Os efeitos dessa deficiência são visíveis: diminuição da capacidade de leitura, dificuldade de expressão escrita e baixo nível de compreensão dos temas estudados. 

 

Para suprir essa lacuna no processo ensino-aprendizagem, a professora Renira Lisboa de Moura Lima  publicou, em 1994, Como se faz um resumo, obra destinada a professores e alunos interessados na prática da linguagem, na arte de escrever bem. Pela primeira vez no Brasil, as técnicas de redução de textos foram reunidas e sistematizadas com admirável requinte e honestidade intelectual. Baseada nas melhores práticas teóricas, a autora apresenta soluções simples para problemas que atormentam todos os que se aventuram pelos tortuosos caminhos da escrita. 

 

Os resumos foram divididos em dois grandes grupos, de acordo com a autorização ou a proibição de o redator tecer juízo de valor sobre o material trabalhado. No primeiro grupo, prepondera a abordagem dialética. O texto original a ser resumido é decomposto, analisado, discutido e apreciado minuciosamente. É o caso dos comentários, resenhas e críticas tão comuns nos jornais de revistas científicas. No segundo grupo estão os resumos desprovidos de apreciação pessoal. Possuem a marca da neutralidade intelectual. A redução do texto sem perda qualitativa do conteúdo é sua única preocupação. São largamente utilizados no ensino médio, nos cursos de graduação e pós-graduação como atividade de aprendizagem e pesquisa. 

 

A autora optou pelo estudo das técnicas de composição dos chamados textos-resumo: sumários, esquemas, sinopses e sínteses. Parte da premissa de que resumir é um ato de criação. O texto original é dissecado,  elaborado, reduzido ao essencial. A nova redação não é fruto da intuição, da prática  empírica,  mas produto da correta aplicação de princípios pedagógicos que podem ser exercitados nas salas de aula. Os alunos devem ser estimulados a desenvolver a capacidade de captar a essência das ideias, hierarquizar, separar o principal do acessório, corrigir, cortar, modificar, polir as frases com a precisão e a delicadeza de um ourives. Resultado: um texto límpido, enxuto, claro e sem desperdício de palavras ou profusão de adjetivos. Absolutamente fiel à matriz.    

 

Ao longo do ensaio, autora discorre sobre as técnicas de redação dos textos-resumo com competência invulgar. Explica, esquematiza e exemplifica exaustivamente. Sem prejuízo da profundidade que caracteriza os trabalhos científicos, o tema é tratado com aliciante simplicidade, que seduz e apaixona desde a primeira página. Progressivamente, sem pressa, o leitor descortina um universo em que a palavra é tratada com sobriedade e economia. Logo percebe que resumir não é uma atividade mecânica, impessoal. Mas uma arte que exige argúcia, perícia e muita sensibilidade.

 

É preciso discutir o papel do resumo como gênero textual. Se é certo que o resumo apoia-se em obra alheia, ninguém pode lhe negar a condição de arte, com personalidade, forma e estética próprias. Essas características o legitimam como um interessantíssimo meio de expressão. Quem resume não copia, recria o texto livre dos excessos do linguajar. Mas que uma reconstituição plana e linear do conteúdo original, o resumo é uma autêntica forma de transmissão de ideias, fatos, teses, e informações profissionais. Por isso o conhecimento de suas técnicas torna-se imprescindível tanto para quem escreve a si mesmo como para os escritores profissionais. 

 

A professora Renira Lisboa de Moura Lima insiste na tese de que os professores devem assumir o compromisso de ensinar as técnicas de redação de resumos como forma estimular a inteligência dos alunos, aguçar a percepção crítica e permitir o estreito convívio com as sutilezas da língua portuguesa. E não pára por aí . Propõe uma série de atividades integradas que esse destinam à elaboração de frases-síntese, que é o cerne da reelaboração de textos. Trata-se de uma proposta didático-pedagógica que pode ser aplicada com grande sucesso no processo ensino-aprendizagem sob supervisão docente ou através da autoinstrução. Adepta da máxima “só se aprende a fazer fazendo”, enfatiza o que a eficiência do método depende da experiência direta nas salas de aula, da constante e persistente repetição dos exercícios. 

 

Como se faz um resumo, publicado pela EDUFAL neste ano de 2002,  é fruto de demorada maturação intelectual. O método de redução de textos foi pacientemente concebido ao longo de vinte anos de intenso trabalho. Os exemplos foram testados nas salas de aula, discutidos exaustivamente, analisados à luz das teorias nacionais e estrangeiras. Autora procurou imprimir ao resumo uma linguagem universal, enxuta, concisa. Provou que é preciso ir ao essencial e buscar a todo custo o substrato das ideias sem afetar a qualidade do texto. 

 

Considerado um clássico do gênero, retorna ao mercado editorial completamente reformulado. A segunda edição traz muitas novidades. Os capítulos foram reescritos, ampliados e atualizados. Novos exemplos de esquemas foram introduzidos com o objetivo de facilitar ainda mais a compreensão dos princípios metodológicos trabalhados. Chega, portanto, à  maturidade científica e perfeição formal, o que a torna uma obra de leitura obrigatória para todos os que se preocupam com o bom uso do idioma. 

 

Nietzsche, que, além de grande filósofo, era um mestre da estética, gabava-se do dom de resumir em dez frases o que qualquer outro escrevia em um volume. Como se faz um resumo desmistifica a ideia de que o poder de síntese é atributo dos gênios no estilo, característica inata dos grandes escritores. E desvenda todos os mistérios da construção dos textos ágeis , limpos e bem articulados. A obra também mostra que a língua tem de ser instrumento de integração social e democratização do saber. Tais lições dão a exata dimensão da obra: assegurar a excelência da expressão escrita e contribuir para a construção dá cidadania brasileira.


Maceió, 2002.

Nenhum comentário: