quarta-feira, 17 de setembro de 2025

DIREITOS CULTURAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

 

Conheci Laryssa França na Faculdade de Direito de Alagoas, onde tive a alegria de ser seu professor no curso de graduação em Direito e, posteriormente, seu orientador no Mestrado da Universidade Federal de Alagoas. Desde cedo demonstrou grande vocação para as artes e literatura, tornando-se uma talentosa pianista, poetisa e pesquisadora cultural. Atualmente é professora universitária de grande prestígio, além de autora de diversos artigos em importantes periódicos. Fiquei muito feliz ao ser convidado para prefaciar seu livro de estreia, fruto de anos de investigação científica, cujo resultado agora é apresentado ao grande público.  

 

A obra “Direitos Culturais e os desafios das políticas públicas na proteção do Patrimônio Cultural” trata com originalidade tema atual e controvertido, uma vez que a efetividade dos direitos culturais implica não apenas prestações estatais positivas, sobretudo políticas públicas consistentes, como também a participação ativa da sociedade civil na preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural, estético, paisagístico do país, nos termos previstos na Constituição Federal.

 

Articula-se em torno de três conceitos centrais: cultura, patrimônio cultural e políticas culturais. Na primeira perspectiva, a autora desenvolve a ideia de cultura, enfatizando a pluralidade de significados e abordagens distintas pelas ciências sociais, como a sociologia, antropologia, filosofia e direito. 

 

Com relação ao patrimônio cultural, sustenta sua natureza de direito supraestatal, inclusive demonstrando como as Nações Unidas construíram um sistema de tutela dos bens e valores que dão o substrato às identidades nacionais, buscam preservar e proteger monumentos de arte e de história, o patrimônio imaterial, os bens culturais e naturais etc. 

 

Finalmente analisa de que forma as políticas culturais podem ser determinantes para a efetivação desse conjunto de direitos fundamentais de hierarquia constitucional no sistema jurídico brasileiro.

 

Os direitos culturais – que têm espaço normativo privilegiado no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) – estão constitucionalizados no Brasil, implicando a obrigatoriedade de adoção de políticas públicas consistentes e voltadas de seu reconhecimento, proteção e garantia. 

 

Laryssa França analisa a forma pela qual os direitos culturais – com ênfase na preservação patrimonial – evoluíram no constitucionalismo brasileiro a partir da Constituição de 1934, passando pelas posteriores cartas de 1937, 1946 e 1967. Com relação à Constituição de 1988, debruça-se com profundidade sobre o conteúdo dos artigos 215 e 216 que normatizam os direitos culturais, apresentando seus principais fundamentos, inovações e críticas.

 

 A autora investiga os princípios que norteiam essa categoria de direitos em sua dimensão normativa e axiológica, além de apresentar os pilares que sustentam a visão holística de meio ambiente cultural por ela defendida. Da mesma forma propõe caminhos para a democratização da cultura, através da educação ambiental e patrimonial, assegurada a todos os brasileiros. 

 

Ao debruçar-se sobre o aspecto normativo, trata de temas controvertidos como competência administrativa, instrumentos acautelatórios, bem como os mecanismos de tutela judicial e extrajudicial do patrimônio cultural. Na dimensão administrativa, insiste na necessidade de políticas públicas consistentes em todos os níveis federativos, o que implica vontade política, formação de pessoal qualificado, continuidade dos projetos, participação efetiva da sociedade, além da alocação dos recursos financeiros necessários ao seu financiamento.

 

Na parte final, apresenta um interessante estudo sobre o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), cujo objetivo central é a captação de verbas para o setor cultural, mediante três mecanismos: o Fundo Nacional de Cultural (FNC), os Fundos de Investimento Cultural (FICART) e os polêmicos incentivos fiscais. No capítulo apresenta e analisa as principais críticas feitas à Lei Rouanet no que tange ao financiamento de atividades culturais, sobretudo por pessoas jurídicas, bem como as possíveis soluções de seu aprimoramento. 

 

O Sistema Nacional de Cultura (SNC) e o Plano Nacional de Cultura (PNC) foram amplamente examinados em seus aspectos formais e práticos, com foco nas dificuldades de implementação das políticas públicas relacionadas ao Patrimônio Cultural, à educação patrimonial e a própria implementação sistêmica das políticas culturais. 


O texto é claro, preciso, fluido, objetivo, linear - o que facilita a compreensão de seu conteúdo. O tema é problematizado e examinado sob diversas perspectivas. Tudo isso dá ao texto a densidade necessária para explicar fenômenos e apresentar proposições racionais, apontando caminhos a serem trilhados para a concretização dos direitos sociais no Brasil.


A mensagem subjacente do texto é o alerta de que a preservação do patrimônio cultural é incontornável para a manutenção das tradições, valores, costumes e expressões artísticas de um povo. Dela depende a própria identidade da nação, que deve sempre se apoiar na diversidade e no diálogo intercultural. Daí a importância de políticas públicas voltadas para a valorização dos bens culturais, a conservação de sítios de valor histórico, do folclore, da arte popular, e tantas outras formas de expressão. Tudo isso só é possível com o engajamento da sociedade civil na promoção, fiscalização e democratização das medidas destinadas a efetivar os direitos culturais no Brasil.

 

As reflexões desenvolvidas pela autora baseiam-se em riquíssima bibliografia nacional e estrangeira. Terminou por produzir um trabalho acadêmico alentado, de indiscutível qualidade científica, integridade intelectual, profundidade e ineditismo.

 

Tenho a convicção que se trata de importante contribuição científica no campo do direito constitucional, que tem diante de si o enorme desafio de concretizar o conjunto de prerrogativas e princípios essenciais ao fortalecimento e sobrevivência das manifestações culturais que expressam a identidade do povo brasileiro. 

 

Maceió, 2023

 

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