Páginas

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

               

                  LIBERDADE DE CÁTEDRA E DOCÊNCIA 

É com grande satisfação que apresento "Liberdade de Cátedra no Brasil e o Supremo Tribunal Federal", livro de estreia de José Erick Gomes da Silva. A obra é uma contribuição valiosa para a discussão acerca da liberdade de cátedra no contexto brasileiro, um tema de grande importância para a proteção do direito à educação e da liberdade de expressão na contemporaneidade.

Com sólida formação acadêmica, José Erick Gomes da Silva conduz o leitor a minuciosa análise das questões doutrinárias e jurisprudenciais que envolvem a liberdade de cátedra. Sua abordagem crítica, teoricamente bem fundamentada, proporciona uma compreensão cristalina dos contornos hermenêuticos da liberdade de cátedra, com ênfase nas prerrogativas dos professores universitários em desenvolver práticas pedagógicas e abordagens de ensino próprias, sem se submeter à censura prévia.

A liberdade de cátedra é um direito fundamental indissociável para a educação inclusiva e de boa qualidade, pois garante aos professores e pesquisadores a autonomia necessária para exercerem suas atividades sem ingerências do Estado. No Brasil, essa prerrogativa está prevista na Constituição Federal, que assegura a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (art. 206, II).

Apesar dessa previsão constitucional, a liberdade de cátedra no Brasil é frequentemente ameaçada por tentativas de censura e perseguição a docentes que expõem opiniões e ideias que não agradam a determinados grupos ou contrariam interesses. Essas tentativas de cerceamento da liberdade de ensino muitas vezes partem de autoridades governamentais, de setores religiosos ou facções políticas que buscam impor suas visões de mundo ou impedir a veiculação de informações sensíveis ou que determinados temas sejam debatidos com espírito crítico.

O autor traz à tona a discussão sobre a autonomia da universidade e dos docentes na escolha dos conteúdos programáticos e metodologias de ensino, bem como a proteção contra intervenções externas que tolham o exercício de suas funções. Além disso, discute a responsabilidade do professor no exercício da liberdade de cátedra, especialmente em relação ao respeito aos direitos humanos e à diversidade cultural.

Conheci José Erick Gomes na Faculdade de Direito de Alagoas/UFAL, um jovem recém-saído da adolescência e que já mostrava incomum engajamento nas atividades de extensão e pesquisa. Sua personalidade irrequieta o levava a participar de diversos projetos, assumir desafios, escrever artigos e proferir conferências. Logo tornou-se um dos alunos mais respeitados da instituição, exercendo indiscutível liderança entre os colegas e inspirando os calouros.

Tenho atuado como seu orientador, tanto na graduação como na pós-graduação. Sou testemunha de sua militância em defesa da liberdade de expressão como direito fundamental indissociável dos regimes democráticos contemporâneos. 

Trabalhamos juntos no Laboratório de Direitos Humanos/UFAL, grupo de estudos que tem se destacado na pesquisa sobre direitos humanos. Durante os anos de 2018 a 2020, foi agraciado com excelência acadêmica da UFAL em razão do seu desempenho como monitor de direito constitucional. Nesse período proferiu diversas conferências, publicou capítulos e artigos científicos de excelente qualidade. Em 2018 recebeu o título de Acadêmico Revelação no II Concurso de Júri Simulado da OAB, promovido pela Escola Nacional de Advocacia. Foi também na condição de orador que se sagrou semifinalista no 1º Electoral Moot Court, competição nacional promovida pela Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

Penso que não foi por acaso que escolheu a liberdade de cátedra como objeto de pesquisa. Durante o regime militar, instalado em 1964, as universidades foram vítimas da mais abjeta censura. O presidente Costa e Silva editou o Decreto 477/69, que previa sanções severíssimas para professores, estudantes e funcionários de estabelecimentos de ensino, que contestassem a legitimidade do Governo ou lhe fizesse oposição. Isso incluía tanto os conteúdos discutidos em sala de aula, como o posicionamento ideológico adotado na vida civil. O resultado não podia ser outro: professores foram punidos com demissão, aposentadoria compulsória, suspensão do cargo, cassação de direitos políticos. Faculdades de todo o país foram amordaçadas; alunos e professores, silenciados.

No passado mais recente, testemunhamos novas investidas para impor censura nas salas de aula. Alguns docentes foram vítimas de atos intimidatórios, de procedimentos administrativos disciplinares e severas sanções, em virtude do exercício da livre manifestação de ideias nas universidades. Exemplo disso, foi a arbitrariedade combatida com propositura, no Supremo Tribunal Federal, da ADPF 800 que discutiu a inconstitucionalidade de medidas tomadas contra docentes da Universidade Federal de Pelotas, com o claro objetivo de impor-lhes a “lei da mordaça”. Tentativas de intervenção na liberdade de ensino proliferaram nos últimos anos, com ampla divulgação nos meios de comunicação. Basta olhar para as propostas que integram o programa Escola sem Partido, a fim de ter uma ideia da dimensão do problema.   

Para combater essas ameaças, é fundamental fortalecer os mecanismos de proteção e defesa dos professores que sofrem perseguição e censura no exercício das atividades profissionais, bem como fomentar o debate e o diálogo dentro e fora das salas de aula sobre a importância da liberdade de cátedra, sobretudo o seu papel na educação em direitos humanos. 

É preciso, também, investir na formação pedagógica dos professores para capacitá-los a desenvolver conteúdos que estimulem o pensamento crítico e a reflexão responsável sobre a realidade social, política e econômica do país.

Entendo, porém, que a liberdade de cátedra não é um direito absoluto; ela deve ser exercida dentro de limites éticos e legais. Isso passa muito mais pelo discernimento e autoconsciência dos professores do que de controles externos. 

Os docentes não podem utilizar sua posição hierárquica para impor ideologias extremistas, concepções preconceituosas, discriminatórias ou contrárias à dignidade humana. Ao contrário, devem fomentar o debate e o confronto de posicionamentos políticos e filosóficos, como forma de desenvolver o pensamento dialético, a prática argumentativa, a cidadania e a solidariedade. Por isso, devem assegurar aos alunos o direito de questionar suas opiniões, promovendo um diálogo construtivo, racional e democrático.

A liberdade de cátedra, portanto, é essencial ao desenvolvimento intelectual dos estudantes, à formação de cidadãos conscientes e engajados na construção de uma sociedade mais justa e constitucionalmente organizada. Os professores devem ser autônomos em suas práticas pedagógicas, exercendo seu ofício sem temer represálias ou perseguições indevidas. Para que isso aconteça, é necessário que as universidades garantam a liberdade acadêmica nas atividades de ensino, pesquisa e extensão.

O livro entregue aos leitores é o resultado de trabalho sério e meticuloso. Examina um dos temas mais complexos e relevantes do constitucionalismo brasileiro, lançando sobre ele um olhar atento e perspicaz. Além disso, supre incompreensível lacuna na literatura jurídica. As questões enfrentadas interessarão a estudantes, pesquisadores em ciências sociais, profissionais do direito e todas as pessoas comprometidas com o respeito aos direitos fundamentais. 

 

 

  


Nenhum comentário: