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quinta-feira, 4 de setembro de 2025


PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS

PREFÁCIO

Recebi com grande alegria a missão de prefaciar o livro de estreia de Douglas Bastos, intitulado Privatização prisional: limites constitucionais e impactos políticos-criminais. A obra é o coroamento de vigorosa pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFAL. Redigida inicialmente como dissertação de mestrado sob minha orientação, chega ao grande público para enfrentar o debate, ainda atual e vigoroso, sobre a privatização dos presídios no Brasil.

Douglas Bastos é um jovem professor universitário e advogado que tem se destacado por seus vastos conhecimentos no campo do direito processual penal e políticas criminais.  Conhecemo-nos na Faculdade de Direito de Alagoas, quando assumi a direção de seu projeto de pesquisa. Chamou-me a atenção sua capacidade de argumentação, a solidez suas ideias e a eloquência com que defende seus pontos de vista. Passei a admirá-lo não só por sua dedicação, lealdade e simpatia, mas pelo entusiasmo persegue os seus sonhos. 

Sua experiência como membro do Conselho Penitenciário de Alagoas potencializou seu interesse sobre a questão carcerária, com destaque para a necessidade de assegurar eficácia na execução penal e garantir os direitos fundamentais da pessoa privada de liberdade. Ainda estudante manifestou profundo interesse em examinar os modelos de privatização dos presídios para verificar sua adequação ao Brasil. Debruçou-se, assim, sobre propostas de terceirização de serviços, cogestão e, sobretudo, as parcerias público-privadas (PPPs). Após meditar profundamente sobre elas, apresenta diagnóstico e faz proposições específicas para a solução do problema.

No Brasil, o sistema penitenciário envolve uma complexa intersecção de questões sociais, legais, econômicas e políticas. A administração e gestão dos presídios tornaram-se estruturas fundamentais para compreender os desafios da justiça criminal. Entre tantas questões controversas, a privatização prisional é, sem dúvida, um tópico repleto de tensões e perplexidades. Isso faz com que as opiniões se dividam quanto à sua implementação no país.  Uns argumentam que a participação da iniciativa privada na gestão pode trazer eficiência e inovação ao sistema carcerário sobrecarregado; outros mostram olham com desconfiança a transferência para a iniciativa privada de uma das funções mais importantes do Estado – a execução penal – inserindo-a na lógica do lucro.

Douglas Bastos não ignora essas críticas em sua análise. Ele explora profundamente os receios de que a privatização possa levar a uma diminuição na qualidade dos serviços, a potencial mercantilização da justiça penal, e um possível alinhamento dos incentivos privados com o encarceramento em massa. Essas críticas são acentuadas pela observação de que a busca pelo lucro pode estar em desacordo com os objetivos supremos do sistema prisional – a ressocialização e reabilitação dos presos.

A abordagem também inclui uma reflexão crítica sobre o papel do mercado capitalista e da política neoliberal na formação do sistema de justiça criminal. Investiga o possível circuito tenebroso em que o encarceramento em massa pode ser tanto causa quanto consequência do crescimento vertiginoso do mercado de prisões privadas. Essa exploração profunda se estende às cláusulas de lotação, ao trabalho penitenciário e a outros fatores que moldam a realidade prisional no Brasil.

A obra oferece, além disso, uma contribuição substancial ao debate sobre a compatibilidade da privatização prisional com a Constituição de 1988. A análise da legislação brasileira é complementada pelo estudo do impacto político-criminal da privatização, analisando seus pontos mais controvertidos, o que faz do livro um recurso valioso para profissionais do direito, acadêmicos, formuladores de políticas públicas e qualquer pessoa interessada em entender os desafios enfrentados pelo sistema prisional brasileiro.

O Autor também investiga a forma como as políticas de execução penal que passam pela privatização dos presídios estão interligadas com as complexas questões de governança, responsabilidade e transparência. A discussão abarca a avaliação dos limites constitucionais, indagando até que ponto o Estado pode delegar sua função punitiva e se essa delegação respeita os princípios fundamentais de nossa Carta Magna.

A análise da privatização prisional no Brasil não é realizada de maneira isolada, mas em um contexto global. O autor compara o modelo brasileiro com práticas internacionais, como a privatização global nos Estados Unidos, a parceria público-privada na Inglaterra, a terceirização na França e a gestão partilhada em Portugal.

A operacionalização do Presídio do Agreste, no Estado de Alagoas, serve como estudo de caso e microcosmo das dinâmicas mais amplas em jogo na privatização prisional. Adiciona uma camada de profundidade à obra, tornando-a não apenas uma análise teórica, mas também investigação empírica meticulosa. Isso permite ao leitor a compreensão concreta das complexidades, nuances e desafios da privatização prisional em um contexto concreto, real.

É, sem dúvida, um instrumento valioso para qualquer pessoa interessada em entender o sistema prisional brasileiro, suas falhas, possibilidades e contradições. O autor não oferece respostas fáceis nem soluções simplistas, mas convida o leitor a uma reflexão profunda, informada e crítica. Em uma era em que o debate público é frequentemente polarizado e superficial, a explanação ponderada e meticulosa de Douglas Bastos é um lembrete bem-vindo da importância do pensamento crítico, do rigor acadêmico e do compromisso com a verdade.

George Sarmento, 2023.
FDA/UFAL

 

 

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