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quinta-feira, 7 de maio de 2009

O CANALHA


ISAAC SANDES
Na galeria de tipos humanos, o canalha certamente tem seu lugar de destaque.
Não confunda o canalha com o mau caráter. O mau caráter é um tipo asqueroso; covarde; traiçoeiro e sem o menor glamour. Identificado, o mau caráter é prontamente escorraçado de qualquer meio, sem que tenha, em seu favor, manifestação embrionária de defesa. Nem que seja de um bom samaritano.
Enquanto o verdadeiro e caricato canalha…!!! Esse não !
O autêntico e secular canalha é dotado de um glamour e um charme que faz com que, seus atos, mesmo condenáveis à primeira vista, sejam, após prudente distanciamento, reavaliados com um certo “quê" de romantismo canastrão.
Os contumazes frequentadores dos outrora românticos bordéis, sabem do que estou falando. Lá, os verdadeiros canalhas sempre foram os seres mais destacados e paparicados pelas literais animadoras da torcida.
O canalha de bordel, se sentia num à vontade difícil de descrever por um escrito puritano. Ele desfilava no puteiro como se fosse um sargento linha dura passando em revista um pelotão de borrrados recrutas. Olhar altivo, queixo levantado, peito estufado num passo de ganso. Parecia um Duce.
Lá ele sempre foi alvo dos mais elevados encômios e destinatário de respeito reverencial. Até dos mais antigos frequentadores. O canalha dominante do bordel era o pavor dos semi-desvirginados adolescentes que, saídos do seu rito de passagem, vagueavam, ainda, inseguros e temerosos em território que era todo do canalha.
O canalha do qual estou falando é aquele que empresta um colorido especial ao monótono tecido social.
Quem viveu a infância num cidadezinha de interior, sabe que o canalha local é aquele que fornece o combustível para as rodas de fofocas que se formam à noite nas pracinhas, bem como fornece matéria prima para o linguarudo barbeiro.
Qual cidade de interior não possui os seus canalhas de estimação ?
São eles representados pelas mais diversas subespécies:
É o velhaco contumaz; o dono da venda que todos sabem ser o mais descarado ladrão, no preço e no peso; o agiota que posa de moço bom, frequentando e participando de todos os eventos da paróquia; é aquele corno desentendido, que faz questão de contar as qualidades empreendedoras da esposa; o camelô trambiqueiro vendendo óleo de peixe-boi nas feiras; o padre que, na baixa, come a recatada beata; o vizinho que, respeitosamente, vive chifrando seu mais estimado cumpadre; o mentiroso folclórico; a velha e vigarista macumbeira que promete resolver qualquer problema de amor não correspondido, afastar olhos cobiçosos e promover a cura daquele irrecuperável broxa.
Enfim! Tais tipos, são Pedros Malazartes materializados diante de nossos olhos.
Todos nós sabemos quanto carregam de canalhice no seu DNA, mas se extirpados do contexto social, o nosso cotidiano se tornará tão insosso quanto uma refeição de hospital.
O canalha é um ser autêntico, é o homem em estado bruto . É um representante da humanidade sem os arreios éticos e morais. Se a embriaguês é a mão que levanta o manto e revela o canalha que existe por baixo de cada envernizado cidadão, como bem expôs nosso cronista. Ao canalha tal recurso é desnecessário, pois ele é o que é em si mesmo.
Toda inteligente e sábia comunidade, sabe amar respeitar e conviver pacificamente com seus canalhas. Sabe que, na maioria das vezes, os males causados pelos canalhas são de pequeno potencial ofensivo e que tais atos, tolerados, renderão ao coletivo vasto material que alimentará as futuras lendas, desencadeará discussões e análises que irão beirar verdadeiras teses freudianas.
De tal importância se reveste o canalha que cada nação tem o seu como um mascote.
O nosso é o Pedro Malazarte; os americanos o tem na figura do Tio Sam; a Itália tem o seu amado Casanova; na Espanha Dom Giovanni e Robin Hood na Inglaterra. As crianças o idolatram nas figuras do canastrão Pica-Pau e do maldoso Jerry.
Uma roda de Jogo é um ambiente que transpira e cheira à canalhice.
Nosso Bem-Amado, Odorico Paraguaçu!! Existiu ou existirá canalha mais charmoso, mais brilhante e mais identificado com um pedacinho de cada um de nós ?
O impagável Vadinho de Dona Flor ! Lorde Cigano de By By Brasil, Seu Quequé, o caixeiro viajante de Rabo de Saia. São apenas alguns exemplos dos grandes e amáveis canalhas que povoam nosso cotidiano artístico.
Na arte da conquista e nos jogos do amor, o canalha é imbatível.
Tente competir com um, e verá o resultado !
Mostre à abatida vítima de um canalha qual é sua verdadeira face e amealhará um definitivo inimigo.
Tais características e particularidades fazem com que, ao verdadeiro canalha - por mais combatido que seja pelos falsos moralistas - sempre irá restar o incondicional apoio da maioria, pois sem ele, ela perderá algo que existe e que nunca deixará de existir sob as suas históricas camadas de verniz, a sua própria canalhice. Afinal, já vaticinava o imortal Nelson Rodrigues : “a virtude pode ser muito bonita, mas exala um tédio homicida".
Isaac Sandes - 03/05/09.

O CAOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO


COARACY FONSECA

O sistema penitenciário brasileiro será sempre um grande fracasso, uma fábrica de criminosos brutais. Não só pela ausência de políticas públicas efetivas, mas, sobretudo, pela apoucada ou nenhuma qualificação dos agentes que atuam em seu interior, nos subterrâneos, onde tudo acontece. Os honestos e competentes, não raras vezes, são castrados ou esmagados pela máquina de opressão.
Além de comprovada formação moral, irrepreensível conduta ética, o profissional que atua no sistema deve ter sua vida esquadrinhada, examinada com minúcias, dissecada com arte de cirurgião. O problema brasileiro não é de recursos materiais, mas de recursos humanos. Com poucos recursos e um bom caráter é possível fazer muito.
Nenhuma política carcerária funcionará a contento se os agentes encarregados de sua execução e velamento tiverem ligações com criminosos, como co-autores em delitos ou na qualidade de informantes, crime ainda mais grave, por partir de um agente do Estado, portador de dados e informações privilegiadas.
Os gestores públicos têm grande responsabilidade por suas indicações, pois se um bandido – cuja fama o precede - é indicado para coordenar o sistema penitenciário pelo Poder Executivo, por exemplo, ou o administrador comunga com seus propósitos ou é um inábil, incapaz de gerir, inclusive, a própria vida. A situação não é distinta no que diz respeito ao Ministério Público e ao Poder Judiciário do nosso país, principalmente quando o acesso aos cargos não ocorre pelo modo de provimento normal, promoção ou remoção.
Nesse contexto, o homem talentoso e vencedor, admirável pela sua capacidade estratégica e de organização, deve ter redobrada cautela, para não misturar-se com bandidos. Sob pena amesquinhar-se, destruir a sua trajetória, a sua história de luta, o seu patrimônio moral. Na vida, sempre há tempo para a correção dos erros, exceto quando a composição tornou-se homogênea e irremediável.
Li, certa vez, uma parábola que tocou profundo o meu coração e me fez meditar. Era mais ou menos assim:
“Certa manhã, meu pai, muito sábio, convidou-me a dar um passeio no bosque e eu aceitei com prazer. Ele se deteve numa clareira e depois de um pequeno silêncio me perguntou:
- Além do cantar dos pássaros, você está ouvindo mais alguma coisa?
Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi:
- Estou ouvindo um barulho de carroça.
- Isso mesmo, disse meu pai, e uma carroça vazia.
Perguntei ao meu pai:
- Como saber que a carroça está vazia, se ainda não a vimos?
Ora, respondeu meu pai. É muito fácil saber que uma carroça está vazia por causa do barulho.
Quanto mais vazia a carroça maior é o barulho que ela faz.
Tornei-me um adulto, e até hoje, quando vejo um indivíduo tentando intimidar, valendo-se da política do terror, da prepotência, ou de recursos baixos por trás das cortinas para atingir as pessoas, tenho a impressão de ouvir a voz do meu pai dizendo: “Quanto mais vazia a carroça, mais barulho ela faz...”
A inoperância do sistema penitenciário, por variegadas razões, dentre as quais a falha de caráter, ora abordada, leva a aparições cinematográficas; a apoteóticas performances de homens câmera e ação; a operações espalhafatosas e sem sentido (a não ser o da propaganda enganosa), que atestam o caos do sistema e a ausência de seriedade no trato da coisa pública. Após o espetáculo, fechadas as cortinas, os vermes retornam ao seu habitat!
Na condição de cidadão não posso deixar de refletir sobre os grandes problemas nacionais. Na qualidade de agente público tenho o dever de agir, e ser um homem do meu tempo.

Maceió, 06 de maio de 2009.

Coaracy Fonseca
Promotor de Justiça