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quinta-feira, 18 de junho de 2009

COISAS

ISAAC SANDES

Todos nós, uns mais, outros menos, temos coisas.
As coisas nos acompanham ao longo de nossas vidas. Passam a habitar insistentemente nossos lares, nosso cotidiano. Finalmente, todos os recantos de nossas vidas. Entranham-se nela, como sempre houvessem existido um para o outro.
Para nós, parece inconcebível um mundo sem coisas. Consistem elas, na imensa quantidade de objetos que carregamos.
Não estou me referindo a coisas e objetos indispensáveis à nossa sobrevivência como espécie. Essas tais, vão, desde a pedra lascada que deu origem à lança e flecha rudimentares, até o arado, a roda e os demais objetos que deram impulso à humanidade.
As coisas de que falo são aquelas que identificaram a raça humana como uma raça de juntadores ou acumuladores. Juntadores e acumuladores de coisas que, em circunstâncias excepcionais, se mostram totalmente inúteis e desnecessárias.
Para demonstrar quais seriam essas inúteis coisas, começo por uma circunstância comum a quase todos nós. Uma mudança de casa. Fato, sem dúvida, ocorrido pelo menos uma vez na existência de cada um de nós. Quando construimos uma nova casa, fatalmente chegará o dia em que teremos que fazer as malas e habitar o novo espaço.
Então, na ânsia do novo, nos mudamos apenas com os objetos pessoais estritamente necessários ao cotidiano. Assim, nos estabelecemos na nova morada e, durante muito tempo, ali vivemos sem darmos pela falta de uma imensa quantidade de tranqueiras que deixamos para trás na apressada mudança. Até que, lentamente, vemos nossa morada novamente se encher, mais e mais, das mais diversas e inúteis coisas.
A espartana vida de um monge budista ou franciscano é a mais forte evidência da desnecessidade da maioria das coisas que nos sufocam e nos cercam no dia-a-dia.
Imaginemos uma repentina evacuação de uma cidade prestes a ser atingida por um iminente cataclisma. Então veremos com que quantidade de coisas cada um irá partir na salvadora debandada. E, em contraponto, veremos a imensa massa de coisas que ficará para trás, as quais, frente à premente necessidade prática, foram, imediatamente, eleitas como inúteis. Diante de tal realidade, veremos quão desnecessárias são as muitas coisas que julgavámos indispensáveis na vida. Cada um, quando colocado frente a uma extrema emergência, irá levar consigo apenas o estritamente necessário à sua sobrevivência.
Tivesse Einstein, antes, pesquisado a teoria da relatividade logo ali, na evidência encerrada na simplicidade das coisas, estaria a resposta para tudo e, não terminaria ele, com os cabelos de quem viu fantasmas, nem com a língua de gravata circense.
Pois, em nada, a relatividade é mais evidente do que perante as coisas. Tudo depende apenas das circunstâncias.
Então, vamos relativizar: Para aquele que encontra-se perdido em um deserto, o que é mais importante ? Um poço de petróleo que encontre à flor da terra, ou um pequeno lago de água límpida e fresca?
Para o infeliz que, no meio de uma multidão, é acometido de repentina e incontrolável diárreia. O que lhe será mais importante? A cara roupa que enverga, ou um simplório penico com um providencial biombo onde possa se aliviar entre impagáveis suspiros, para, em seguida, clamar mais por uma amarrotada folha de papel de embrulho, do que por seu vistoso rolex.
Ao solitário e ilhado náufrago, será mais importante um fardo de dinheiro trazido pela maré, ou uma simples caixa de fósforos que lhe dará o domínio do fogo. Será mais importante aquele notebook que conseguiu salvar à custa de muito sacrifício, ou um feixe de lenha seca para cozinhar sua primeira refeição?
Exemplo da irrefutável relatividade das coisas, nos foi dado pelos recentes episódios históricos envolvendo o ditador Saddan Hussein: Em sua fuga das tropas ocupacionistas, abandonou seus ornamentados palácios. Meteu-se em um sujo buraco no chão, acompanhado de pouquíssimas coisas, entre elas um simplório ventilador que, ao final, foi seu delator.
Acredito que estes poucos exemplos, bem definem a relatividade das coisas.
Se, como nas fábulas, voltássemos ao tempo em que os bichos falavam, o que não diriam eles de nós, quando nos vissem atravancados de objetos totalmente desnecessários para a vida em comunhão com a natureza.
Certamente ririam muito ao saber que nos tornamos escravos das coisas que inventamos.
O que diriam de alguém que cobriria seu corpo com uma cueca ou calcinha; por cima destes ainda colocaria uma longa calça ou vestido; cobriria seu tronco com uma camisa; em seguida um colete; e, ainda cobrindo tudo, um paletó. Finalmente, daria um nó no pescoço com uma uma faixa de pano a que chamaria de gravata, sem falar nos inúmeros bolsos que, invariavelmente, estariam sempre cheios de outras inutilidades.
Como iriam entender que alguém conseguisse viver assim? E, ainda, trafegar diariamente com uma pesada pasta cheia de inutilidades em uma das mãos, um aparelho celular na outra, um relógio no pulso e um cigarro entre os dedos?
Então, qual é a razão desse fetiche que consiste em juntar coisas inúteis, tão cultivado pela humanidade,ao longo de sua existência ?
Para decifrar tal enígma, talvez precisemos apenas de um divã, uma grande sala repleta de livros, quadros e diplomas pendurados na parede, uma espaçosa poltrona, um birô atravancado de quinquilharias, um caderno, um lápis, um apontador, um abajur de luz suave e um grande e fumegante charuto em uma das mãos. Ufa…!!! É Freud!!

Isaac Sandes
12/06/2009.