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sábado, 10 de outubro de 2009

DA TENDÊNCIA AO TENDENCIOSO

MAURÍCIO PITTA
Promotor de Justiça
Professor de Direito/UFAL

Todo aquele que detém o poder, um dia, fatalmente, abusará deste... Sendo assim, digo eu, a distância da tendência ao tendencioso é muito, muito pequena mesmo!
A sinonímia é marcante e fortemente presente! De duas uma: ou se tornam loucos ou se passam por enlouquecidos quando provam o doce veneno do exercício do poder!
Ao que parece tudo ocorre no exato momento em que se deixa de reconhecer a natureza intrínseca da razão e em conseqüência passa-se sistematicamente a violar e violentar preceitos e conceitos de legalidade, dignidade, moralidade, ética e consenso.
A grande pergunta é: qual deve ser a resposta a esse conjunto de atos liminarmente violentos? A priori não devemos nos dar ao luxo de protestar apenas e tão somente pelo desfiar solto de palavras inertes... O mal que o poder representa em mãos calejadas pela ignorância e arrogância se faz cada vez mais presente, cada vez mais atuante e às vezes até mesmo faz pose de garboso, galante, falsamente educado e hipocritamente democrático... É... Parece ter assumido ares de pompa e circunstância.
As pessoas de bem e do bem precisam reagir e essa não deve ser uma mera premissa, mas a sua concreção em si mesma! Deve-se ter em mente que a fortaleza das trevas consiste basicamente na mansuetude da luz... Silente os bons, os maus avançam e cada vez mais conquistam espaço.
Por que? Porque não basta tão somente se indignar, falar em pequenos grupos, gerar conclusões em ambientes limitados pela sua própria condição física, temporal e espacial.
Chega de indignação em pequenas doses! Chega de silenciar, chega de pedir paz aos senhores da guerra... Estes só entendem uma linguagem e esta linguagem não é a da submissão, da covardia, do silêncio indignado, porém ruidosa e gritantemente silencioso!
Quando nos comportamos como a avestruz da estória (já que o avestruz verdadeiro não esconde sua cabeça sob a terra), estamos dando o nosso apoio e a nossa aceitação aos atos que aparentemente condenamos. E que condenação é esta? A condenação dos mudos e dos inertes? Na verdade estamos é dando nosso apoio.
Sim, estamos apoiando, passivos e calados, tímidos e coadjuvantes. É... O silêncio consente e nosso consentimento se traduz no apoio de cordeiros.
É verdade! Quando fazemos ou deixamos de fazer algo estamos realizando uma ação, positiva ou negativa, mas uma ação. Não já se afirmou que pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes?
Aliás, são de dois tipos as pessoas que apóiam tais grupos de poder: no primeiro grupo temos aqueles que usufruem das suas benesses e por isso se julgam o próprio poder; já no segundo grupo temos aqueles que, não obstante estarem fora do alcance de seus benefícios, consideram vantajoso manter o silêncio, mesmo quando diante das violências e arbitrariedades cometidas contra outros. A perspectiva vantajosa será sempre a de não serem perseguidos, atingidos ou lembrados para uma possível reprimenda!
Os primeiros, os apaniguados e áulicos, defendem suas posições sustentando-se na ilusão de que não importa o quanto se aliem ao mal, este perdurará para sempre, incluídas aí as suas vantagens, o fascínio e encanto que sentem com as suas miçangas. É como se vivessem em uma realidade distinta, ignorantes da transitoriedade da própria vida.
Mas não se importam! São vaidosos, arrogantes e pretenciosos. Enfim, são tolos!
Quando advém a queda não percebem o rastro de ressentimentos que deixaram atrás de si... Passam a criticar ao novo senhor de plantão (quando a este não aderem de imediato) esquecendo que foram personagens deste mesmo enredo em outras eras, só que na posição imediatamente antagônica em que agora se encontram.
Os outros... Os outros, ou os temerosos de todos os gêneros, vivem e respiram uma atmosfera de sensações dúbias e contraditórias, marcadas pela escravidão do próprio medo, pela inação, pela sensação de impotência. Esquecem que podem respirar dignidade! Preferem se esconder no anonimato de suas opiniões. São igualmente tolos!
Em ambos falta estofo, garra, dignidade... Esquecem valores como solidariedade e amizade e não conhecem como Machado que,
“Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!
Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!
Ter amigos é a melhor cumplicidade!”
Mas existem também os “doutro” lado. Existem aqueles que não aceitam o jugo da prepotência e da ignorância, aqueles que teimam em resistir. Não sustentam suas existências no alimento da mediocridade e decidem que mais importante do que o temor de uma derrota é não ser escravo de seus próprios medos.
Muitas vezes são chamados de loucos ou coitados! Seus críticos, em suas soberbas ignorâncias, não percebem o quão podem ser altivos e orgulhosos estes loucos e coitados que sabem que todos os direitos foram e são conquistados através da constante luta no dia a dia de suas existências.
Pois é! Ledo engano pensarem os senhores da escuridão que do simples temor nascerá uma nova era de prosperidade! Maquiavel já ensinava que “nunca foi sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem não teme o mal” e assim tem sido ao longo da história da humanidade.
Os comandos destas legiões do mal também olvidam, coitados, que “são passageiros tanto o louvor quanto o louvado” e passam a se comportar como deuses egípcios: se imaginam intocáveis, invencíveis e inatingíveis. Afinal de contas, insano leviatã, não somos instrumentos de tua paz... Somos instrumento de tua arrogância, de tua prepotência, da tua ignorância!
A paz... Bem, esta a temos dentro de nós mesmos, no aconchego de nossas almas e no abraço fraterno de nossas famílias e dos nossos amigos. Creio que Lincoln estava certo quando afirmou certa feita que “Deus deve amar os homens medíocres. Fez vários deles”.
Não importa, pois é uma verdade insofismável a noção de que não existem fracos ou fortes... Somos todos filhos da mesma essência.
Assim é a vida! Os que pensam que ganharam e os que sabem que não perderam! Um fluir constante resvalando sempre na eterna luta entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, guerra e paz, arrogância e inteligência... Já dizia Cícero que “os homens são como os vinhos: a idade azeda os maus e apura os bons”.