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quinta-feira, 6 de agosto de 2020

O  BEIJO

Aos onze anos beijar na boca era sua aspiração mais alta. O desafio supremo, quase inatingível para o menino retraído, atormentado por uma incurável timidez.

Um dia aconteceu.

Acompanhava em silêncio a coleguinha da escola até a casa. Dividiram o lanche que sobrara do recreio e saíram de mãos dadas pelas ruas do bairro, que começavam a escurecer naquele fim de tarde de inverno.

A brisa fria insinuava desejos etéreos, diáfanos. Foi tudo muito rápido.  De supetão, ela o espreme contra um muro, beija-o docemente e desaparece na esquina, saltitante.

Entorpecido pela magia daquele instante mágico, o menino não compreendeu que o beijo roubado lhe abrira o portal para um mundo desconhecido. Tomou-se de surpreendente audácia, sentiu uma volúpia inexplicável e a certeza de que nada seria como antes.

Adulto, não aprendeu a amar. Sua vida foi uma sucessão de fracassos sentimentais, de prazeres efêmeros, de solidão profunda.

Aquele beijo fugaz o resgatara da introspeção, mas também acendera o fogo das paixões efêmeras cujas labaredas consumiriam vorazmente suas entranhas, para depois jogá-lo no abismo da eterna solidão. 

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